A população conectada no mundo – 2,7 bilhões de pessoas – passa, todos os meses, mais de 35 bilhões de horas na internet. Isso equivale, segundo cálculos do site Go-Gulf.com baseados em consultorias como comScore Data Mine e Pew Research, a 3 milhões, 995 mil e 433 anos (3.995.433 anos!!). A questão é: como os usuários sentem a percepção desse tempo?
A cada ano que passa, ouvimos mais a expressão: “puxa, esse ano está voando mais que o anterior”. E, quando dizemos “vou dar só uma olhadinha no Facebook”, acabamos ficando horas na web sem nos darmos conta.
Nicholas Carr, autor do livro O que a internet está fazendo com nossos cérebros, disse num artigo recente no site Edge.org estar preocupado com a aceleração do tempo atual, pois a tecnologia da informação estaria nos colocando na velocidade “warp” de Jornada nas estrelas. “Estou ciente de que minha própria percepção de tempo foi alterada pela tecnologia. Se eu usar um computador ou conexão web um pouco mais lentos que os meus, mesmo que por questão de segundos, acho a espera quase intolerável. Antes, nunca tinha estado tão consciente (e perturbado) pela passagem de meros segundos”, escreve Carr.
Especialistas corroboram esse tipo de experiência. E não é de agora que a sensação de urgência despertada pela vida ubiquamente on-line recebeu atenção de cientistas. Um estudo do Departamento de Ciência e Tecnologia da Universidade de Hong Kong já estudava em 2004 o efeito de diferentes cores em indicadores de downloads no monitor sobre a percepção de tempo dos usuários, enquanto o antropólogo dinamarquês Andreas Lloyd escreveu na Universidade de Manchester, em 2005, que as tecnologias de informação e comunicação, ao mesmo tempo que nos liberaram dos “ritmos e tempo sincronizado da sociedade”, diluíram as fronteiras entre horas de trabalho e de lazer. Pouco antes da virada do século XXI, a fabricante suíça de relógios Swatch sintetizou o sentido geral de urgência conectada criando o “Internet Time”, horário bizarro que substitui as 24 horas de um dia por 1.000 “beats” de internet, cada um com duração de 1,264 minuto.
– O mundo virou mais rápido. O tempo digital é mais veloz que o nosso tempo cronológico. E isso muda tudo – diz a psicóloga Luciana Nunes, do instituto Psicoinfo. – A velocidade é uma coisa importante e cada vez mais exigida no mundo mobile. E é parte dessa velocidade digital a necessidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Como ver novela e estar on-line num celular ou tablet.
Ação contraposta à reflexão
É justamente essa demanda multitarefa que aparentemente nos “rouba” o tempo. Mas essa é uma falsa sensação, de acordo com Junia de Vilhena, coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social e professora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio.
– O tempo da contemporaneidade é o tempo da ação, que não vem acompanhada da meditação ou da reflexão – define Junia. – E a percepção de que “nunca dá tempo” na verdade é uma consequência de que a gente mesmo não “faz” o tempo.
Segundo a professora, é impossível dar conta de todas as demandas, responder a todas as solicitações. Essa ansiedade nos leva achar que estamos sempre “perdendo” alguma coisa.
– É preciso ter uma certa disciplina, e optar por às vezes frustrar o outro, ser capaz de fazê-lo perceber que “não, não estou disponível para você as 24 horas do dia” – afirma.
Segundo analistas, o tempo da geração Y é diferente do tempo da anterior, até porque a vida urbana contemporânea tem outro ritmo hoje, mais vertiginoso.
De acordo com a psicóloga Luciana Nunes, a rapidez do mundo digital se faz presente até nas mais corriqueiras lidas diárias.
– Por exemplo: na escola, não adianta o professor passar uma tarefa de casa para a próxima semana. Os jovens precisam de desafios. Em vez de mandar tarefa de casa gigantesca, eu peço: em meia hora, as respostas das questões dois e três – conta.
Gargalo de processamento humano
A adaptação muito rápida a novos intervalos de tempo nos levou a uma espécie de sensação de estranhamento com o tempo. O psicólogo André Mascioli Cravo, professor adjunto da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, e doutor em neurofisiologia, opina que, como na internet quase tudo é instantâneo, nos desacostumamos a esperar pelas coisas.
– E tentar fazer tudo ao mesmo tempo tem um efeito na atenção, pois há um gargalo, um limite em nossa capacidade de processar informação – diz Cravo.
Se a informação na internet nos é útil e conveniente, por outro lado a sensação de perda de tempo também é a tradução de que vamos deixando de lado o tempo para pensar, para o ócio, o tempo para se estar consigo mesmo, diz Junia de Vilhena.
– O tempo em que ficamos no espaço virtual é uma coisa; mas é outro o tempo de encontrar concretamente alguém, ao vivo, e olhar em seus olhos – sentencia.
Já Luciana Nunes indica que as novas percepções de tempo podem augurar as transformações anunciadas pela novíssima sociedade pós-industrial.
– A educação mudou, a economia mudou, a comunicação mudou. Com isso tudo, as relações se transformaram. Quando as relações mudam, muda a cultura, e a cultura é a base da história. Então, no fim das contas, estamos mudando a história – resume.
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André Machado e Sérgio Matsuura, do Globo