Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Magnata da internet sacode a França

O empresário da internet Xavier Niel concluiu só o ensino médio num subúrbio proletário de Paris. Hoje, ele ataca frontalmente as classes estabelecidas do país e a elite empresarial egressa de um punhado de grandes écoles – instituições educacionais francesas de grande prestígio. Niel acumulou um patrimônio líquido que foi estimado em março pela Forbes em US$ 6,6 bilhões, despontando como um visionário polêmico e oportunista, que disponibilizou a internet para milhões de consumidores franceses graças ao seu provedor de serviços e à sua rede de telefonia celular de baixo custo.

Para muitos franceses em dificuldades por causa da economia estagnada, Niel é um herói. Mas, para o establishment empresarial francês, às voltas com as perturbações competitivas da internet – sem falar da própria estagnação econômica –, ele é uma ameaça indesejável e um destruidor de margens de lucro.

“Se gente como nós não começar a mudar as coisas na França, nada jamais irá mudar”, disse Niel, 45, um homem ligeiramente mal-ajambrado, que gosta de jeans e camisas com colarinho aberto. “Hoje, a França é a quinta maior economia do mundo. Mas, se não mudarmos, seremos a 25ª em apenas dez anos.” Niel cresceu num lar de classe média na zona sudeste de Paris. Seu pai era consultor de patentes farmacêuticas, e sua mãe era contadora. Aos 13 anos, o pai lhe comprou seu primeiro computador, um Sinclair ZX81.

A saga da Free Mobile

Em 1993, aos 25 anos, Niel criou o primeiro provedor de internet da França, o WorldNet, que ele vendeu por mais de US$ 50 milhões, logo antes do estouro da bolha pontocom. Em 2002, sua segunda empresa de serviços para a internet, a Free, vendeu o primeiro pacote triplo mundial com telefone, televisão e internet. O serviço Freebox custava a partir de € 29,99 (cerca de US$ 39) por mês, um terço a menos que o preço comum.

A empresa é o segundo maior provedor de serviço da internet francesa. Em janeiro de 2012, ele criou a Free Mobile, que se tornou a quarta operadora francesa de celular. A Free vendia um cartão SIM sem exigência de vínculo e com oferta ilimitada de ligações, mensagens de texto e acesso à internet por € 19,99 (US$ 26) por mês, metade da tarifa do mercado.

Isso ocorreu depois que três grandes operadoras foram incapazes de convencer a Comissão Europeia a bloquear a licença de telefonia celular da Free. Acredita-se que, desde a criação da Free Mobile, essas operadoras já tenham perdido milhões de euros em lucros, já que todas elas criaram novos planos de baixo preço para concorrerem. A Free Mobile arregimentou 5,2 milhões de clientes durante seu primeiro ano de atividade, ocupando quase 8% do mercado francês de telefonia celular.

Mudar mentalidades

A nova empreitada elevou em 49% o faturamento anual da holding de Niel, a Iliad, chegando a € 3,2 bilhões (US$ 4,2 bilhões) no ano passado. Em partes da França, Niel continua polêmico. Na década de 1990, sua empresa criou um serviço de tele-sexo. Em 2004, ele foi detido pela acusação de exploração qualificada do lenocínio, por ser sócio de uma rede de casas de striptease. Uma delas era fachada para prostituição.

As acusações de exploração do lenocínio foram arquivadas, mas Niel foi condenado por ocultar o desvio de fundos corporativos. Recebeu pena de dois anos com direito a sursis (suspensão condicional da pena), mas não sem antes passar quatro semanas na prisão. “Já fiz muita coisa estúpida na vida”, disse Niel. “Essa foi a mais estúpida.”

Há dez anos, Niel investe dezenas de milhões de euros em start-ups tecnológicas. A cada semana, investe em mais duas. Ele já recebeu 10 mil inscrições para uma academia de desenvolvimento de sites, gratuita, que ele vai abrir para mil alunos. Significativamente, os candidatos não são questionados sobre suas credenciais acadêmicas. Niel disse que deseja dar um empurrão em gente como ele – qualificada, mas desprivilegiada e carente dos contatos certos.

“Não estamos só tentando mudar os negócios”, disse. “Estamos tentando mudar a mentalidade na França.”

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Kevin J. O’Brien, do New York Times