O empresário Francisco Monteiro costumava dormir mal e acordar cansado pela manhã. Nas últimas semanas, no entanto, ele conseguiu amenizar o problema. E não foi nenhum remédio, ou tratamento que ajudou. O alívio veio de uma pulseira eletrônica. Desde que comprou a Up, da americana Jawbone, Monteiro diz que tem se sentido mais disposto. “Pode ser impressão, mas me sinto melhor”, afirma.
Produtos como a Up fazem parte de uma categoria emergente de dispositivos que levam para peças de roupa e acessórios tecnologias de comunicação sem fio e coleta de dados que antes estavam presentes apenas em celulares e computadores. São os chamados de computadores de vestir, ou “wearable computers”, considerados por muitos a próxima grande onda entre os fabricantes de produtos eletrônicos.
Os primeiros aparelhos a ganhar o mercado partiram de empresas relativamente pequenas, como as americanas Jawbone e Pebble. Mas grandes marcas também têm projetos para transformar os computadores em peças típicas do guarda-roupa. O Google já anunciou o lançamento de seus óculos, enquanto Apple, Microsoft e Samsung estariam desenvolvendo relógios inteligentes, com previsão de chegar ao varejo até o fim de 2014. Elas seguiriam o caminho aberto pela Sony e a Motorola, que no ano passado já apresentaram seus computadores de pulso.
Com os novos dispositivos, as companhias de TI tentam se antecipar a uma pergunta central no setor: qual será o próximo grande sucesso de vendas?
Fabricantes de equipamentos e empresas de software e serviços investem bilhões de dólares todos os anos para tentar criar um produto que se torne um objeto de desejo, mas mesmo depois de seu lançamento é difícil saber se a aposta foi certeira. Basta lembrar que o primeiro iPod, que deu origem a um novo segmento de mercado, foi recebido inicialmente recebido com reticência.
Nos últimos tempos, tablets e smartphones têm atraído a atenção dos consumidores – e servido como uma fonte de receita especialmente farta para os fabricantes. O que não se sabe é até quando isso vai durar. Os smartphones já representam mais de 50% do total de celulares em países como os Estados Unidos, o que muitos analistas consideram um teto de vendas. Daqui para frente, dizem, a expansão será necessariamente mais lenta. Nos próximos dois anos, o mesmo cenário pode se desenhar em países emergentes como Brasil, Índia e China. Com os tablets, a situação é parecida. Por isso, a categoria de “wearable computers” vem ganhando tanta atenção.
Custo alto
Ainda existem muitas dúvidas sobre o modelo de negócios que vai fazer esse mercado funcionar, mas segundo estimativas o número de unidades vendidas pode atingir um volume significativo nos próximos anos. Segundo a empresa de pesquisa ABI Research, serão 340 milhões de dispositivos em todo o mundo até 2017. A marca é muito próxima ao número de PCs que os fabricantes colocaram no mercado em 2012 (352 milhões de unidades) e representa um crescimento de quase sete vezes em um período de quatro anos, segundo a ABI.
Uma das áreas que promete apresentar crescimento acelerado é a de relógios inteligentes – que se comunicam com smartphones e dão acesso a funções como ler mensagens de texto e recusar chamadas. De acordo com a empresa de pesquisa Canalys, 5 milhões de aparelhos desse tipo serão colocados no mercado pelos fabricantes no ano que vem – mais de 10 vezes o número registrado em 2012.
Na avaliação de Joshua Flood, da ABI Research, o grande acelerador do mercado “wearable” tem sido os smartphones, que fizeram com que a tecnologia fizesse parte do dia a dia de milhões de pessoas ao redor do mundo. “Mais de 70% das pessoas não sairia de casa sem seu smartphone”, diz.
O Google pretende colocar à venda, até o fim do ano, o Google Glass, óculos que permitem acessar serviços on-line como mapas, correio eletrônico e bate-papo. Algumas unidades já estão em teste por pessoas de todo o mundo. Uma delas é o brasileiro Walter Longo, presidente da agência New Energy. “É algo que vai mudar o mundo”, diz o publicitário. Segundo ele, leva um tempo para se acostumar ao funcionamento e aos comandos do aparelho e é preciso tomar cuidado para não irritar os interlocutores. “Você fica com o olhar meio vago e as pessoas não sabem no que você está prestando atenção”, diz. As vantagens, no entanto, compensam os eventuais contratempos.
Como tudo que é muito novo, a nova categoria de dispositivos representa um grande risco para os fabricantes. Desenvolver equipamentos sofisticados não é fácil nem barato, e sempre há a possibilidade de encontrar problemas no meio do processo. Na semana passada, o jornal “Financial Times” noticiou que a Apple teria aumentado o número de contratações de engenheiros que trabalham em seu relógio inteligente, devido a dificuldades encontradas no desenvolvimento do produto. Isso teria atrasado em quase um ano o cronograma de lançamento.
Uma dos principais desafios é a restrição tecnológica dos componentes atuais. Os componentes já evoluíram bastante em tamanho e consumo de bateria, mas dependendo do caso ainda não estão no nível adequado para tirar alguns produtos da prancheta dos engenheiros.
Monteiro, que além da pulseira Up tem um relógio inteligente (da americana Cookoo), diz que esses aparelhos ainda precisam evoluir muito para ter algum apelo efetivo. “Usei [o relógio] por pouco tempo, depois parei. Ainda é muito relógio e pouco inteligente”, avalia.
É a esse ponto – garantir que o produto seja realmente útil para o consumidor, e não um chamariz de vendas temporário – que os designers têm de prestar atenção. A pulseira Up continua no pulso de Monteiro porque trouxe benefícios reais segundo sua avaliação. O aparelho mede quanto a pessoa pratica de atividade física e até a qualidade do sono. Na hora de deitar, basta apertar um botão para “avisar” à pulseira que é hora de ir pra cama, e ela registra dados como quantidade de horas dormidas e quanto tempo o usuário teve de sono leve e profundo.
Outra questão a ser equacionada é o preço final das roupas inteligentes. Componentes avançados – principalmente telas – têm custo unitário alto, o que pode representar preços pouco convidativos. A pulseira UP custa US$ 130 nos EUA. Um aparelho similar, a Fuelband, da Nike, sai por US$ 150. No Brasil, o SmartWatch da Sony é vendido por R$ 600.
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Gustavo Brigatto, do Valor Econômico