Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A capital do ciberjornalismo

Campo Grande (MS) se transformará na capital do ciberjornalismo entre os dias 28 a 30 de agosto, durante o 4º Simpósio de Ciberjornalismo, que acontece na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). O evento, sob o tema “Jornalismo: integração midiática e experimentação – Jornalismo móvel, Infografia, Newsgames, Design”, contará com a presença dos principais pesquisadores do setor no Brasil e três convidados internacionais, entre eles o jornalista Gumersindo Lafuente, responsável pela revolução digital no jornal El País. Para falar do Simpósio e de outros temas relacionados ao ciberjornalismo e ao jornalismo na atualidade, entrevistamos o professor doutor Gerson Martins, líder do Grupo de Pesquisa em Ciberjornalismo da UFMS (Ciberjor/UFMS) e organizador do evento.

Qual a importância do 4º Simpósio de Ciberjornalismo para a comunicação em Mato Grosso do Sul?

Gerson Martins – Muito grande, especialmente quando levamos em conta que reuniremos em Campo Grande os líderes de grupos de pesquisa em ciberjornalismo no Brasil. Isso, por si só, é algo muito significativo. Contaremos com a participação dos autores dos livros que os graduandos e mestrandos da área leem e estudam nas suas atividades acadêmicas. Isso é relevante. Também teremos a participação de três jornalistas espanhóis, referencias no estudo e na prática do jornalismo e tecnologia: o Gumersindo Lafuente, que foi o responsável pela revolução digital no jornal El Pais, um diário de referencia mundial; o Mario Tascon, que trabalha há muitos anos com infografia; e o Josep Lluís Micó, do jornal La Vanguardia, que desenvolve um grande trabalho em relação às mídias sociais. Para viabilizar estes participantes, contamos com o apoio fundamental do governo do estado, da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia (Fundect) e da Capes. Contabilizamos mais de 200 inscritos (até o dia 21) e selecionamos 44 trabalhos de pesquisa. Apesar de ser um evento regional, o 4º Simpósio de Ciberjornalismo se tornou maior que muitos eventos nacionais.

Pode-se dizer que a importância do evento não se restringe à academia, mas se estende ao mercado?

G.M. – Sem dúvidas. É um evento que, se por um lado reúne pesquisadores e estudiosos, por outro congrega profissionais de referência no âmbito internacional. Há uma tendência entre os profissionais do jornalismo em não se envolverem com eventos da academia, o que é lamentável. Os jornalistas espanhóis que participarão do Simpósio, por exemplo, têm uma bagagem muito grande no jornalismo profissional. Espero que os profissionais não percam a oportunidade de interagir com eles.

“Redes de acesso à internet são ruins e caras”

Este afastamento entre a academia e a profissão tem sido comum no jornalismo?

G.M. – Infelizmente é comum. Ao mesmo tempo em que as empresas jornalísticas reclamam que a universidade está distante, a universidade também tem a mesma reclamação. Mas este não é um problema do jornalismo. Via de regra, no Brasil, empresas não se aproximam das universidades. Em nossa área, especificamente, é um problema sério. Não temos, por exemplo, a relação que têm o jornal New York Times e a Universidade de Columbia, que mantém uma aproximação seminal, de mútua retroalimentação, o que é fundamental. Infelizmente, não fazemos isso aqui ainda.

O jornal impresso vai acabar?

G.M. – Vai. Da forma como o conhecemos vai. Vai mudar o suporte. Os japoneses, sempre na dianteira da tecnologia, já experimentam materiais com características similares ao papel, com o intuito de substituí-lo. O jornal impresso em papel está com os dias contados.

O ciberjornalismo já divide com o jornalismo impresso as mesmas fatias de mídia?

G.M. – O investimento publicitário nos cibermeios aumenta a cada ano. O Brasil, apesar de ser um país do terceiro mundo, tem um imenso contingente de internautas. Temos um acesso muito significativo. Nosso entrave é que as redes de acesso à internet são muito ruins e caras. No momento em que tivermos mais qualidade e preço no serviço de acesso, o número de internautas será muito maior. Em consequência, a inversão publicitária do impresso para o ciberjornalismo também crescerá.

“O leitor quer se tornar sujeito da comunicação”

Como o senhor analisa o ciberjornalismo feito hoje em Mato Grosso do Sul?

G.M. – Se de um lado o ciberjornalismo em MS é diferenciado, e tem um certo vanguardismo em relação a outros estados, por outro lado, no que se refere aos processos de produção e difusão, estamos ainda deixando a desejar, atrasados. Nos estudos de ciberjornalismo analisamos as fases históricas de seu desenvolvimento, e o praticado em MS, apesar de ser em muitos casos inovador, ainda precisa evoluir muito.

Em que aspectos?

G.M. – Uma das características da internet é a multimidialidade. O que encontramos de multimidialidade, por exemplo, no cibermeio que temos como referencia em MS, o mais antigo portal de notícias, o Campo Grande News? Quase nada. Temos texto, um ou outro hipertexto, foto e mais nada. A internet tem um potencial imenso a ser explorado, para fazer com que a informação jornalística seja mais completa.

O ciberjornalismo permite uma interação muito grande do leitor com a notícia. A academia tem se debruçado sobre o interesse do leitor nesta interatividade? O leitor, de fato, quer esta proximidade?

G.M. – Sim. As pesquisas apontam isso. Algumas delas, inclusive, feitas por pesquisadores que participarão do 4ª Simpósio de Ciberjornalismo. Têm-se pesquisado muito sobre este tema no Brasil e no mundo. O leitor quer participar da produção da notícia, ele quer dar a sua opinião. O leitor quer se tornar sujeito da comunicação.

“Ângulos diferentes de uma mesma informação”

Qual a fronteira entre a participação do leitor na construção da notícia e o ofício jornalístico?

G.M. – É uma fronteira muito bem definida. O jornalista é um mediador. O leitor, quando participa da notícia, ele não deixa de ser uma fonte. Ele traz informações localizadas que oferecem o seu ponto de vista (do leitor), enquanto que o processo jornalístico verifica vários ângulos de uma mesma informação. Estes papéis estão muito bem definidos e não há confusão alguma. Não dá para dizer, sob o aspecto do jornalismo-cidadão, que todo leitor – todo aquele que contribui com a informação em um ciberjornal – está fazendo jornalismo. Não, de forma alguma.

Qual sua análise sobre fenômenos midiáticos como o Mídia Ninja?

G.M. – Difundir a informação é uma coisa, produzir informação é outra. São conceitos e práticas muito diferentes. Há uma difusão muito forte de informação, sem o estabelecimento de critérios. A informação é simplesmente colocada na rede. Em alguns momentos há um processo de produção da informação aproxima estes formatos do jornalismo. Na entrevista que foi ao ar pelo Roda Viva, um dos responsáveis pelo Mídia Ninja foi categórico ao dizer que o que eles fazem é jornalismo. Não vou dizer que é e nem que não é. Há momentos em que é Jornalismo, com um processo de apuração, produção e intermediação da informação. Há outros momentos em que é um simples processo de difusão.

Este tema tem a ver com a questão da objetividade e da isenção no Jornalismo. O senhor acredita em isenção no jornalismo?

G.M. – Não. O jornalista busca a objetividade. Este é um principio válido e importante. No entanto, no momento em que o jornalista faz um relato, por mais objetivo que ele seja, ele faz uma edição desta informação sob o seu ponto de vista. Quando se conjugam dois, três jornalistas para produzir a mesma notícia, surgem vários ângulos diferentes de uma mesma informação. Além disso, sabemos que no contexto das empresas jornalísticas sempre haverá a exploração de um lado do fato em detrimento de outro.

Qual o grande nó do jornalismo no Brasil?

G.M. – Um problema muito sério é a desvalorização profissional. É grave. De forma geral, o jornalista brasileiro não é um profissional valorizado. Há alguns anos o Ministério da Educação elegeu três áreas estratégicas para o processo de desenvolvimento do país, e entre elas estava o Jornalismo. Ainda assim é uma área desvalorizada. Outro grave problema é a concentração da mídia. Um problema sério.

No Mato Grosso do Sul não é diferente…

G.M. – Aqui, como em muitos lugares do país, o jornalista profissional não se reconhece. Temos, ainda, esta coisa de “cada um por si e Deus por todos”. Isso faz com que o mercado profissional jornalístico em MS seja um dos mais mal remunerados do País. É preciso fortalecer os sindicatos.

Há quem diga que internet colabora para a dessocialização. O senhor concorda?

G.M. – Certo dia, o professor Ângelo Arruda postou em seu perfil no Facebook que a cada dia as pessoas estão mais de cabeça baixa, olhando para seus celulares. Próximas de quem está longe e distantes de quem está próximo. Acho que esta é uma análise muito simplista. Não é bem assim. Existem pessoas que ficam o dia todo no celular, sim. Mas há muitas que, apesar de permanecerem muito tempo conectadas promovem uma forte socialização. Não só com quem está distante, mas com quem está próximo. As mídias sociais são um elemento importante de contato e comunicação com quem está próximo. Eu, por exemplo, tenho um poder de comunicação imenso com meus alunos via Facebook. Mais do que tenho com os avisos que coloco na sala de aula.

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Victor Barone é jornalista