Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Big Data precisa de legislação e bom senso’

“Uma das tendências tecnológicas que vai afetar como a sociedade opera nas próximas décadas.” É assim que o jornalista Kenneth Cukier define a tecnologia conhecia como Big Data, o processamento de dados em larga escala.

Editor de dados da revista The Economist, Cukier é um dos autores do livro Big Data: Como Extrair Volume, Variedade, Velocidade e Valor da Avalanche de Informação Cotidiana, lançado em julho no Brasil. O livro traz uma visão otimista do fenômeno, mas também alerta para os perigos do uso irrestrito dos dados. A obra também é assinada por Viktor Mayer-Schönberger, acadêmico da Universidade de Oxford especializado em questões legais da internet. Cukier falou ao Link por telefone:

Big Data são os dados ou o processamento?

Kenneth Cukier – Pode ser os dois e isso é bom. Definir é restringir. Hoje podemos coletar mais dados; podemos coletar mais tipos de dados; e podemos armazenar, analisar e reanalisar porque os custos são muito menores. Além disso, estamos transformando em dados coisas que não eram tratadas como tal.

O Big Data está muito associado a grandes corporações. A tendência é ficar mais acessível?

K.C. – Totalmente. Nos anos 1950, a computação parecia ser algo que apenas grandes corporações seriam capazes de fazer. Mas, assim como assistimos à democratização da computação, também vamos assistir à democratização da Big Data, espalhada em todo tipo de companhia. Muitas startups de Big Data no Ocidente conseguem acessar vastos bancos de dados, algoritmos estatísticos e armazenamento, o que não era possível antes. Há vinte anos, apenas algumas agências governamentais norte-americanas tinham essa capacidade. Hoje, dezenas de milhares de empresas fazem isso.

Se a Big Data pode antecipar tendências ao identificar padrões, ela pode ser usada por investidores, por exemplo, para prever se uma empresa será bem-sucedida?

K.C. – Totalmente. Um exemplo: há uma empresa no Reino Unido que processa todas as informações de bilhetes de trem do país. Entre os dados a que tem acesso está, por exemplo, se empresas estão deixando de comprar passagens de primeira classe para comprar classe econômica. É um bom indicador de saúde financeira. Viagens estão entre os primeiros custos a serem cortados por empresas em situação difícil. É uma maneira de enxergar o mercado antes que qualquer resultado seja anunciado. É um exemplo de como aprender coisas novas usando dados de maneira inteligente.

É o fim da intuição, do instinto?

K.C. – Não totalmente, mas significa que as pessoas precisam colocar de lado suas intuições e ouvir os dados. Numa cultura em que sempre reverenciamos “o instinto básico”, é hora de reavaliar. Por outro lado, não vamos abdicar do pensamento, do bom senso. Veneramos os dados e tentamos aprender com eles, mas não devemos seguí-los cegamente.

É possível contestar os dados?

K.C. – Vamos supor que anos atrás tivesse sido feita uma pesquisa perguntando: “Você teria interesse num computador de pouco peso e com o qual você interage por meio do toque?” Suponha então que a pesquisa tivesse obtido 70% de “nãos”. A conclusão seria de que ninguém iria querer o iPad. Mas um executivo sábio diria que esta é uma categoria totalmente nova de produto e as pessoas não sabem que o querem. Os dados são limitados porque só falam sobre o que já aconteceu e não sobre o que virá.

No livro, vocês dizem que Big Data vai demandar novas regras para proteger o indivíduo. Os governos estão interessados nisso?

K.C. – Espero que haja uma movimentação pública vibrante o suficiente para que leis sobre isso sejam debatidas. Lembre-se que são temas muito novos. É só o começo da era da Big Data. Mas veja que, em três meses do caso de espionagem dos EUA, já houve uma mudança da opinião pública contra a vigilância. O próprio governo, que não queria falar do assunto, está mudando a postura.

O Brasil teve um escândalo recente quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou o repasse de dados de 141 milhões de eleitores para a Serasa – acordo que depois foi desfeito. O que acha de casos assim?

K.C. – É preocupante. É errado se for feito sem um processo público transparente e formal. Além disso, se o TSE quisesse compartilhar registros de eleitores, deveria ter aberto os dados a todos, e não apenas a uma empresa. Mas muitos brasileiros se perguntam, corretamente, se informações pessoais deveriam mesmo estar disponíveis para terceiros. E esse é um debate saudável.

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Camilo Rocha, do Estado de S.Paulo