Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

No Japão hi-tech, ainda vale o que está no fax

Numa cena de “Encontros e desencontros”, filme de Sophia Coppola rodado em Tóquio, o personagem de Bill Murray visita o Japão em meio a uma crise conjugal e recebe um fax da mulher, que ficara nos EUA. Ela queria tirar dúvidas sobre a decoração da casa. O filme é de 2003. Dez anos depois, a cena ficou datada porque hoje o casal conversaria, provavelmente, por mensagem de texto ou outra forma mais avançada de comunicação. Mas no Japão as coisas não mudaram tanto assim. Num dos países mais hi-tech do planeta, a máquina de fax continua sendo um instrumento fundamental para fazer negócios no século 21.

Embora o mundo não tenha enterrado o aparelho definitivamente como fez com o Walkman, uma criação japonesa, a maioria das economias desenvolvidas já relegou o fax a algum ponto de um passado superado pelo cotidiano online. Entre os japoneses, no entanto, a máquina – popularizada na década de 80 – manteve seu apelo. Nem os smartphones e os tablets conseguiram varrê-la de vez da rotina do país.

Um estudo divulgado este ano pelo governo mostra que quase 100% dos escritórios e 45% das residências possuem fax no Japão. Em 2012, foi vendido 1,7 milhão de aparelhos. As exportações do produto, que hoje tem modelos mais modernos, multifuncionais, estão caindo anualmente, mas as importações continuam altas: subiram 6% no ano passado, totalizando cerca de US$ 62 milhões, segundo a associação nacional que reúne fabricantes da área de telecomunicações. Uma pesquisa revelou que 87% dos empresários japoneses consideram o aparelho essencial.

– Fechar um negócio sem um aparelho de fax seria muito difícil por causa dos hábitos dos clientes – confirma o brasileiro Norberto Mogi, dono de uma empresa de construção no Japão. – Os japoneses são muito formais, principalmente os mais velhos. Eles dão muita importância à caligrafia. Enviar um documento escrito a mão é uma demonstração de respeito – explica ele, lembrando ainda que boa parte dos clientes se sente mais segura trocando informações através do papel e não da internet.

Mania nacional

Existem outros motivos culturais e demográficos que explicam a devoção a um equipamento pré-e-mail. A língua japonesa usa três alfabetos diferentes – entre eles os milhares de ideogramas chineses – o que torna o teclado um instrumento complicado para gerações educadas em tempos analógicos. Numa nação marcada pelo envelhecimento acelerado (24% da população tem mais de 65 anos, índice que saltará para 40% até 2060), muitos continuam achando mais fácil escrever a mão do que no computador. Além disso, o país não dispensa carimbos – o chamado hanko – exigidos em documentos oficiais. E não adianta digitalizá-los. A burocracia local pede sempre uma cópia via fax.

Quer convidar alguém para uma festa ou uma cerimônia? Fazer isso apenas via web seria uma descortesia. Tudo que envolve números, como informações bancárias ou relatórios de contadores, também é frequentemente enviado via fax, em pequenas e grandes empresas. São aspectos que deram ao avançado Japão o apelido de Ilhas Galápagos: um palco de fascinantes evoluções tecnológicas, mas que continua isolado e mantendo características únicas. É um comportamento que explica em parte por que produtos sul-coreanos vêm sendo considerados mais inovadores.

– Não saber usar o PC e o e-mail corretamente não é visto como uma desvantagem em companhias tradicionais japonesas. Executivos com mais idade não veem problema em pedir que seus assistentes usem a internet para eles – diz o colunista Akky Akimoto, que escreve sobre tecnologia para o jornal “Japan Times”.

Akimoto não tem fax, nem telefone fixo. Mas admite que entregar cartão de apresentação – outra mania nacional – sem número de fax tira credibilidade. No Japão, a máquina ainda tem vida pela frente, enquanto nos EUA é peça do Museu Nacional da História Americana.

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Claudia Sarmento é correspondente do Globo em Tóquio