Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Ser progressista é querer desmembrar o Google’

Um dos mais famosos sociólogos do mundo, professor da London School of Economics e da Universidade de Nova York, Richard Sennett, 70, comprou uma grande briga recente. Em palestras e em artigos ele tem defendido que o governo americano acabe com o monopólio das gigantes empresas da internet.

“Ser progressista hoje é querer o desmembramento do Google”, diz, recordando o movimento progressista de Theodore Roosevelt, que há cem anos enfrentou monopólios de empresas petrolíferas, de aço e ferrovias.

Autor do clássico O Declínio do Homem Público, ele admite que “progressistas estão em falta, especialmente nos EUA” e que a esquerda virou “inofensiva”. “Vemos o capitalismo de fora”, reclama o ex-músico, que nasceu em um conjunto habitacional popular em Chicago.

Casado com a também socióloga Saskia Sassen e grande amigo do filósofo Michel Foucault, Sennett prepara livro sobre as cidades nos países emergentes (acaba de visitar Medellín e Bogotá, na Colômbia) e também fala da onda de protestos no Brasil.

Por que é progressista ser a favor do desmembramento do Google?

Richard Sennet – Os progressistas do início do século passado acreditavam que havia um tamanho racional para os negócios, aquele que permite que haja concorrência. Quando os negócios crescem demais e surgem monopólios, o Estado precisa fazer o papel regulador.

Theodore Roosevelt, o famoso presidente progressista americano, defendia o capitalismo e dizia que era necessário reformá-lo. É isso que o sr. advoga?

R.S. – Se Theodore Roosevelt fosse presidente agora, acabaria com os monopólios de Google, Apple, Microsoft, Facebook e Amazon. São grandes demais para permitir concorrência, esmagam os menores e isso é ruim para o capitalismo.

Como foi a reação a seu artigo?

R.S. – Muita gente mistura empresas do Vale do Silício com liberdade de expressão. Em Berlim, até conservadores me apoiaram, dizendo que o Google precisa ser desmembrado. Nos EUA, a ideia do progressismo se perdeu.

Mas o sr. vê alguma possibilidade de isso acontecer?

R.S. – Obama é igualmente criticado por ser muito próximo do Vale do Silício e de Wall Street. Há poucos progressistas que restaram nos EUA. Eu escrevo na revista “The Nation”, a publicação de esquerda do país, mas somos tão pequenos, tão inofensivos. Saímos do jogo. Hoje há progressistas na Itália, na Espanha, na Grécia, alguns no Reino Unido, mas que acabam sendo mais anticapitalistas que a favor de uma reforma. Nos EUA, as pessoas têm medo de governo, não querem nada com o governo.

A esquerda americana protesta contra Wall Street, mas costuma defender os gigantes do Vale do Silício.

R.S. – Há uma boa contradição por lá. Os empresários da tecnologia são libertários por natureza, longe do governo, querem menos impostos e mais liberdades. Mas têm tendências monopolizantes e falta governo que breque esses anseios de controlar tudo. Porém eles são muito melhores que o Goldman Sachs, por exemplo, que gosta de usar o Estado para servir aos arranjos financeiros que quebraram a Grécia, por exemplo.

Como o sr. vê o fracasso dos protestos contra a crise econômica, especialmente o Occupy Wall Street, e as manifestações bem mais numerosas no Brasil e na Turquia, com temas locais como detonadores?

R.S. – A maioria das pessoas tem uma atitude muito fatalista com o capitalismo. FMI, Banco Mundial, bancos, tudo muito difícil e abstrato para se reformar. Já a qualidade de vida nas cidades é algo muito concreto. Não é trivial, você mora lá. Não acredito que seja a alta das expectativas em Istambul ou em São Paulo, mas problemas concretos que as pessoas acham que podem ser resolvidos.

As cidades emergentes estão copiando os shopping centers, os subúrbios e o gosto pelo carro das cidades americanas de 50 anos atrás, justamente quando esse modelo está em crise aqui.

R.S. – Por razões econômicas, as cidades emergentes estão sendo padronizadas. Do mercado às políticas públicas, você vê a habitação popular sendo encaixotada em série, matando a calçada de Xangai ou o parque de Istambul. Até “características locais” estão sendo padronizadas e produzidas em série. Ainda vivemos sob a influência do planejamento mecânico de Le Corbusier, ele também um progressista que achava que a produção em massa democratizaria a habitação.

E nos EUA, essa mudança demográfica dos jovens querendo morar nas áreas centrais, é para valer?

R.S. – Sim, é um fato. As cidades americanas estão se latino-americanizando. Os ricos estão deixando os subúrbios e voltando para as áreas centrais e a periferia vai pertencer aos pobres. Como já acontece no Brasil. No mundo, a [urbanista] Jane Jacobs, que defendia cidades mais compactas e de usos mistos pode ter perdido para o Le Corbusier, mas nos EUA ela está sendo redescoberta. Eu amo a Jane.

Copa e Olimpíada no Brasil também tem sido alvo de protestos, pela ausência de um legado. Como o sr. fez parte do Comitê Organizador de Londres 2012, por que Londres foi tão diferente?

R.S. – A palavra mágica de Londres foi a pouca corrupção. Olimpíadas e Copas são um convite à corrupção, pelos prazos curtos, negócios gigantescos e regras não muito claras. Acho que conseguimos fazer em Londres um evento muito transparente. Como a maior parte do orçamento foi municipal, a prefeitura tinha que prestar contas diretamente e explicar como regenerar cada investimento, como vender ou revender cada construção. De Atenas a Atlanta, isso não aconteceu. Quais serão os benefícios reais da Olimpíada para os moradores do Rio? Se você não consegue me responder facilmente, é um problema. Mas já está tarde demais para o Rio.

Virou um mau negócio abrigar esses eventos?

R.S. – Em democracias, talvez. Prefiro projetos economicamente sustentáveis e sempre o menor ao maior. Eletricidade e saneamento precisam ser enormes, mas sempre prefiro cinco escolas pequenas do que uma gigante. Vinte clínicas em vez de um gigante hospital. O oposto de políticos e de muitos urbanistas. E oposto do gigantismo desses eventos.

******

Raul Juste Lores é correspondente da Folha de S.Paulo em Washington