Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Consertar o que não quebrou

Na semana passada, algum gênio dentro do Ministério das Comunicações decidiu que há um jeito infalível de estimular o mercado brasileiro de apps. A partir de 10 de outubro próximo, para ter isenção das alíquotas de PIS/Pasep e Cofins, todos os smartphones brasileiros deverão vir com pelo menos cinco aplicativos pátrios pré-instalados. Para essas coisas, a gente torce o nariz, mas segue em frente. Até dezembro de 2014, o número mínimo de apps brasileiros instalados no celular deve chegar a 50. Aí não é mais exagero. É ridículo. Aliás, mais do que ridículo. É demonstração de ignorância, de não compreender nem como funcionam smartphones, nem como anda este mercado por aqui.

Não vai, por aqui, um argumento liberal contra estímulos ao mercado. Em muitos casos, eles podem funcionar. Neste caso, porém, o governo está tentando resolver um problema que não existe com uma solução que não funcionará. O problema não existe porque, no Brasil, faltam programadores. Tente contratar um bom engenheiro de software. Os salários são cada vez mais altos, a qualidade de sua formação nem sempre é boa. Existe um limite para o número de empresas, mesmo que muito pequenas, capazes de produzir aplicativos de qualidade. Não por falta de criatividade. Por falta de mão de obra. Ensinar programação nas escolas, estimular mais gente a buscar engenharia de software ou similar e montar cursos técnicos de código são, todas, iniciativas que fariam diferença ao Brasil. É claro que baixar uma portaria obrigando Samsungs e Apples da vida a instalar uns aplicativos em troca de isenção fiscal é muito mais simples.

Nos modelos mais baratos de smartphones sequer cabem 50 apps. Não há memória o suficiente. Ou seja, justamente os aparelhos voltados para o público mais sensível ao custo estariam fora do incentivo. Este é só um detalhe entre inúmeros problemas.

Prefeitura organizou um hackaton

Uma pesquisa da Nielsen, realizada ao longo de 2012 e divulgada no início do ano, revela que o usuário americano médio tem 41 aplicativos instalados em seu celular. Os cinco programas mais populares são, pela ordem, Facebook, YouTube, Android Market, busca do Google e Gmail. Ou seja, dentre os cinco mais baixados, quatro foram desenvolvidos pela turma da Google. É um mercado de concorrência dura. Alguém poderia argumentar, porém, que um empurrãozinho do governo federal tornaria apps tupinambás mais populares. Certo. Ou quase. Outra pesquisa, do Centro Pew, explica o porquê. Podemos baixar muitos apps mas isso não quer dizer que os usemos. Em 2011, dos americanos que tinham apps instalados em seus smartphones, 51% usavam até cinco aplicativos. Apenas 31% utilizavam com frequência mais de seis. O número não é surpreendente. Qualquer um que pense em seus próprios hábitos com o smartphone, seja Android, seja iOS, perceberá que apps de uso continuado são raros.

Os celulares mais baratos não comportam apps, em média as pessoas têm menos de 50 deles instalados e a maioria não usa mais do que cinco. O número de programadores já não é suficiente para o mercado digital aquecido como está, então não haverá uma indústria que, aquecida, florescerá. Um número pequeno e concentrado de empresas, porém, fará muito dinheiro com produtos feitos a toque de caixa. Entulhar os aparelhos fabricados no Brasil de aplicativos que ninguém utilizará serve para quê?

O governo federal não é inepto com tecnologia. Na Receita Federal, a equipe é sofisticada. O que fazem anualmente com as declarações de Imposto de Renda é tecnicamente desafiador. Assim como governos não são, necessariamente, incapazes de compreender politicamente novas possibilidades digitais. No fim de semana que passou, a Prefeitura do Rio reuniu um grupo de programadores para um hackaton. Os organizadores apresentam ao grupo um problema complexo, oferecem comida, um espaço e conexão rápida à internet e eles trabalham numa competição. A solução mais interessante ganha um prêmio. Os vencedores têm um programa para facilitar que encontremos vagas de carro. Estimular criatividade é possível.

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Pedro Doria, do Globo