Os protestos de junho tiraram debaixo do travesseiro uma infinidade de discussões. Várias têm sido estampadas em artigos e reportagens nos grandes veículos de comunicação. Algumas ficam restritas a grupos de interesse, como é o caso do uso do Facebook por jornalistas.
Houve primavera em junho. No dia 14 rompi no Facebook o silêncio dos que acreditam que head hunters, grandes companhias ou seus pares comerciais estarão ali prontos a cortá-los da lista por tudo o que você publica – incluindo sua rede de amigos ou as fotos de onde você circula nas férias ou fins de semana.
No caso dos jornalistas, a questão é mais complicada. Há uma sensação de que tudo o que você falar será atribuído à empresa na qual trabalha. Como ao jornalista, eticamente, cabe isenção na construção das reportagens, vigora uma espécie de senso comum de que o jornalista não deve ali expressar suas opiniões, preferências ou o que quer que seja. Resta, então, publicar fotos de seus pets, comportadas viagens ou pratos em mesas de restaurante. E também aquelas fotos em que você se acha bonitinha.
Face sem bloqueio
Por alguns dias, coloquei opiniões sobre o que achava das manifestações nas ruas. Defendi a reação violenta dos manifestantes contra a violência da polícia. Para horror de muitos amigos, lembrei que uma semana antes havia ocorrido em São Paulo uma manifestação pacífica por segurança – que não atrapalhou trânsito, nem quebrou nada – e que sua repercussão na imprensa fora zero. O MPL (Movimento Passe Livre), argumentei, conseguira chamar a atenção para o exorbitante preço das passagens de ônibus – e, acrescento, custo/benefício péssimo se considerada a qualidade dos serviços.
Meu Facebook não é público. É restrito a amigos dos mais variados estilos – da extrema direita à extrema esquerda, estão todos ali. Eles são meus amigos e são importantes para mim justamente porque suas manifestações pessoais, por muitas vezes, mudam radicalmente o que eu penso sobre determinados temas. Quando não mudam, ficam ali. Quando bloqueio no Face é porque já bloqueei o amigo.
Nem Orkut, nem Twitter
Quando surgiu o Orkut, achei muito babaca. No Twitter, cansei de ler que fulano ou sicrano estava parado no trânsito – coisa de paulista (rsrs), logicamente. Mas não demorou para que o Face se transformasse numa coisa praticamente imprescindível nas nossas vidas. Quem não entra no Face pelo menos duas vezes por dia? Ou, então, deixa-o ali numa das abas do Chrome para dar uma olhadinha e, vez por outra, acionar o bate-papo.
Para os jornalistas, virou fonte de informação e, inclusive, forma de contato com fontes. Durante um plantão, quer falar com aquele professor lá do Rio Grande do Sul e não tem a mínima ideia do telefone celular e da casa dele: vai lá no Face, deixa recado, a chance de retorno é grande. (Sem deixar de usar o Telelistas, óbvio…)
Assepsia impossível
O Face faz parte do nosso dia a dia. Como ser uma pessoa asséptica no Facebook? Como não ter opinião nenhuma sobre a chegada de médicos cubanos no Brasil? Como não execrar a operadora de telefonia celular que não funciona? Como fazer que não viu que o Congresso manteve o mandato do deputado presidiário? E como não dar um pitaco na história do diplomata que traz corrupto boliviano para o lado de cá da fronteira e alega questão humanitária?
O Face é nossa rede social. É nossa rede de relacionamento. É nossa rede de amigos.
Tenho ouvido questionamentos em torno dos jornalistas que dão sua opinião nas redes sociais. Como se o jornalista fosse obrigado a se isentar da vida, a não exprimir posição em momento algum de sua existência.
Se defendemos tanto a liberdade de expressão – a ponto de transformá-la numa liberdade impressa e amplificada –, como podemos tolher a nossa própria capacidade individual de indignação com fatos?
Muitas das nossas pautas surgem da indignação com acontecimentos que chocam a nós e à sociedade.
Jornalistas amam e odeiam. Se irritam, brigam com as mocinhas dos serviços de telemarketing, escolhem em quem votar. E votam. E militam voluntariamente em causas sociais.
Quando um jornalista posta algo em sua página no Facebook está falando para seu grupo de amigos, a maioria amigos pessoais. A profissão não pressupõe que seja “exilado” da sociedade, deixe de ter opiniões ou de observar o que ocorre à sua volta. Ao contrário. É a capacidade de observação e de construção de raciocínios sobre os acontecimentos que diferencia os bons jornalistas.
Descrever não é só narrar
Descrever fatos não é só narrá-los. É transformar o que se vê numa sequência que, além de lógica, propicie ao leitor uma noção do todo e do contexto, para que ele possa construir sua própria leitura.
Não faz sentido acreditar que exista um estilo asséptico. E muito menos sentido faz imaginar que possamos ser confundidos com o local onde trabalhamos.
O compromisso do jornalista no exercício da profissão é não faltar com a verdade, não distorcer o que vê, não privilegiar uma fonte em detrimento de outra, ouvir os dois lados – ou mais de dois, se for o caso – e construir para o veículo no qual trabalha – consequentemente, para o leitor – o melhor e mais abrangente cenário que lhe for possível naquele momento, contextualizando, lançando informações que permitam ao leitor construir também sua opinião.
Fora da profissão, o seu compromisso é a construção de uma sociedade que ficará para seus filhos e netos. É muito maior do que fazer uma reportagem. É um compromisso com a vida.
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Cleide Carvalho é repórter da sucursal paulistana do jornal O Globo