Está aberta a caça à difamação na internet chinesa.
Uma nova lei destinada a coibir “rumores” na internet entrou em vigor na semana passada e ativistas acusam o governo de criar um pretexto para apertar o cerco à liberdade de expressão no país. Pelo código de conduta imposto pela Justiça chinesa, quem faz comentários na rede corre o risco de ser enquadrado em quatro crimes: difamação, criação de distúrbios, prática de negócios ilícitos e extorsão. A pena pode chegar a três anos de prisão.
A nova interpretação da lei de difamação tem como alvo não só o conteúdo das mensagens, mas seu grau de disseminação na rede. Os autores de comentários considerados difamatórios serão processados se eles forem acessados por 5.000 ou mais usuários ou repetidos acima de 500 vezes. A repressão oficial na internet já vinha se tornando mais rígida antes da adoção da lei. Segundo ativistas, cerca de cem pessoas foram presas nas últimas semanas por comentários em microblogs.
A imprensa estatal lançou uma ofensiva para defender a medida. Críticos da lei devem entender que “liberdade de expressão não é liberdade de difamação”, afirmou um artigo no Diário do Povo, o jornal do Partido Comunista. As explicações não convenceram muitos juristas e intelectuais, que consideraram a lei inconstitucional. Pu Zhiqiang, advogado especializado em direitos humanos, diz que a lei contra “rumores” na verdade serve como justificativa para o governo prender dissidentes. “Estou furioso”, desabafou o advogado à Folha. “Os maiores disseminadores de rumores na China são o Departamento de Propaganda, a mídia oficial e a polícia.”
“Os perigos” da liberdade de expressão
Além de verem na lei um instrumento de perseguição política, críticos dizem que ela é arbitrária e ignora a fluidez da internet, pois os usuários não controlam a popularidade de seus comentários.
Os protestos se estenderam a intelectuais que integram o coração do Estado comunista – como Cai Xia, professora da Escola do Comitê Central do Partido. Ela alertou que a repressão crescente na internet poderá levar a uma explosão de protestos de rua, justamente um dos maiores temores do governo.
A ofensiva da mídia oficial para respaldar a lei incluiu a confissão pública de um dos mais populares comentaristas da internet chinesa. Charles Xue, um investidor bilionário, angariou 12 milhões de seguidores no Weibo (versão chinesa do Twitter) com comentários controvertidos sobre temas sociais e políticos. Mantido em prisão domiciliar desde agosto acusado de contratar prostitutas, Xue apareceu na emissora estatal CCTV reconhecendo “os perigos” da liberdade de expressão sem limites.
******
Marcelo Ninio, da Folha de S.Paulo, em Pequim