Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O desafio ante um maior acesso à internet

O brasileiro acessa mais internet. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada na sexta-feira (27/9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje somos mais de 80 milhões de internautas acima dos 10 anos de idade. Isso corresponde a quase 50% da população do país. Estamos vivendo a efetiva inclusão digital? Ou se trata apenas de mais um deslumbramento numérico? Longe de respostas unívocas, a análise desta pesquisa suscita discussões sobre o que significa esse montante de usuários no que tange à circulação de informações – leia-se: à prática jornalística.

Os dados são referentes a 2012, mas lançam luz a esse universo tecnológico que tanto influencia a vida social e comunicativa desde meados de 1995 – quando a internet começou a ganhar território Brasil afora. Num ambiente no qual a notícia é o commodity da vez, saber que em todas as faixas etárias houve um aumento no número de pessoas que acessam a internet é um alerta para as (muitas possíveis) formas de informar.

Muitos teóricos vaticinaram profecias sobre as mais diversas óticas – do fim do jornalismo às mais variadas formas de interação. O jornalismo, porém, parece não conseguir passar a fase da metáfora (MIELNICZUK, 2003) e quando alcança o que se conhece por Web 2.0 os resultados ainda são tímidos.

Jornalismo na palma da mão

O que se observa efetivamente no mercado comunicacional brasileiro é um fascínio pelas redes sociais, das de 140 caracteres às de imagens, que só confirmam o quão dependente e narcísica é a sociedade contemporânea. Aliás, no próprio Twitter agora é possível postar fotos como tuítes. O discurso visual, tão característico do ambiente digital, sobrepõe-se mais uma vez ao verbal. Imagem é (quase) tudo.

Porém, no campo jornalístico há que se pensar em novas formas de storytelling, de se utilizar, de fato, a tecnologia intelectual (SODRÉ, 1996) que abunda no ciberespaço. A pesquisa do PNAD, por exemplo, informa que o número de pessoas que têm telefone celular também aumentou: ultrapassou os 120 milhões. Estes dados deveriam incitar os jornalistas e as empresas a produzirem material para todas as plataformas possíveis – tablets, smartphones, celulares e afins.

O chamado jornalismo responsivo deve ultrapassar o campo das ideias e atingir o público em geral, que acessa a internet em casa – a pesquisa do PNAD aponta aumento de 2,5% –, em lan houses ou em qualquer gadget ao alcance da mão. As novas tecnologias, infere-se, exigem uma constante atualização, pois os próprios usuários estão à frente quando o assunto é consumir bens simbólicos via internet. Aos jornalistas e empresas do setor cabe acompanhar atentamente esse cenário.

Reportagens multimídias: cadê?

É possível ler – ou melhor seria navegar? – reportagens que trazem a multimidialidade da qual tantos autores discorrem. Alguém aí por acaso viu “Snow Fall: The Avalanche at Tunnel Creek“? Trata-se de uma reportagem multimídia feita ano passado pelo The New York Times que, inclusive, ganhou um Pulitzer em abril deste ano – o Oscar do Jornalismo americano. Esse modelo de reportagem também tem sido chamado de e-singles: textos multimídia menores que um e-book e maiores e mais interativos que os textos convencionais dos sites jornalísticos.

Unindo texto, vídeo, animação e gráficos, “Snow Fall…” é um ótimo exemplo de como grande parte do jornalismo feito hoje na Web está ainda atrelado aos moldes do que se faz no impresso. Como bem lembra Alzamora (2004), em tempos de superabundância de informação é preciso se pensar num modelo mais preocupado com qualidade e profundidade. Só assim será possível educar e interagir muito mais do que meramente informar e entreter esse crescente número de internautas. E com isso, claro, possibilitar um senso crítico maior ao leitor em meio a essa avalanche de informações e imagens que trafegam no ciberespaço.

Os e-singles de O Globo indicam uma mudança de rumo nesse sentido no Brasil. Mas quem dá mais? Quem no jornalismo on-line brasileiro hoje quer investir em propostas semelhantes? Quem quer, de fato, possibilitar novas fruições informativas aos milhares de internautas brasileiros?

Tecnológico sim, mas sem deslumbre

Não se quer aqui, claro, idolatrar as novas tecnologias em prol de um jornalismo acima de tudo estético. Aliás, meramente estético. Nem se pretende aqui afirmar que todos esses apetrechos tecnológicos irão salvar o jornalismo (e muito menos matá-lo). Porém, é inegável que a prática jornalística mudou com toda essa tecnologia intelectual. Mas como avançar para além de usar meia dúzia de links e achar que está a se oferecer um jornalismo imersivo, uma informação diferenciada?

Talvez a explicação esteja nos salários, na falta de incentivo da própria empresa ou site jornalísticos. Talvez seja porque ainda não compense financeiramente investir em reportagens multimídia. Talvez porque bastam os pageviews que cada site exibe aos anunciantes. No fundo, há muito “talvez” para pouca ação efetiva no que diz respeito a fazer um jornalismo mais atrativo na Web brasileira.

Essa ação, se formos mais além, inclusive perpassa pelo ensino do jornalismo na academia. Não basta ensinar pirâmide invertida ou deitada, explicar valores-notícia e gêneros do jornalismo. Faz-se necessário ensinar isso sim, mas também estar atento às interfaces tecnológicas que tem mudado a forma de se consumir informação. Um jornalismo tecnológico, acima de tudo crítico e preocupado com o interesse público. Esse é o dilema a ser superado.

Vai fazer o quê?

Num país tão grande como o Brasil, não basta ir longe para encontrar pautas interessantes que possibilitam abordagens diferenciadas. E com a facilidade que se tem hoje para apurar, difundir e consumir informações, é difícil entender o porquê de não se experimentar jornalisticamente das novas tecnologias. Com um arsenal de diferentes linguagens à disposição, por que se contentar só com o texto?

Como foi mencionado acima, não se quer aqui profetizar os rumos do jornalismo brasileiro feito hoje na internet. A intenção é lançar um olhar sobre a aparente apatia das empresas – que inclusive cobram aos usuários para, muitas vezes, ler do mesmo material que é vendido nas versões impressas – e dos próprios jornalistas – que parecem não se importar em deixar de lado as muitas possibilidades de se expandir o texto e permitir que o leitor navegue por outros universos informativos.

Se há exemplos interessantes de material multimídia de cunho jornalístico feitos em 2012 no ciberespaço, ano em que cresceu o número de internautas brasileiros, fica desde já o desafio para o setor comunicacional. Pauta é o que não vai faltar em 2014, sendo duas de magnitude ímpar: eleições presidenciais e Copa do Mundo. Parafraseando o quadro do Fantástico, fica a pergunta para o jornalista diante desse cenário: vai fazer o quê?

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Iuri Barbosa Gomes é jornalista e professor da Universidade do Estado de Mato Grosso