Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

As faces do Facebook

Parece fácil amar no Facebook – assim como é fácil odiar e invejar, tênues fronteiras de um território movediço, o dos sentimentos humanos. Talvez por essa razão não faltem exemplos de equívocos e de mau uso das facilidades tecnológicas (ou do anonimato) nas redes sociais. E se é verdade que a virtualidade nos aproxima, também é verdade que nos distancia quando não se aceitam as diferenças, de qualquer natureza, ou o contraditório em seu espaço, e surgem as tropas hegemônicas do pensamento único como um rolo compressor ideológico, senão a bipartidarização nas discussões de temas polêmicos.

Outro viés é o da “futilidade” que permeia as timelines, na infinita cronologia do excesso, na falsa impressão de conteúdos que, na maioria das vezes, não passam de vazios preenchidos ao custo da banalização, da rolagem automática da vida, de compartilhamentos e likes e monossílabos exclamativos. Não que não exista vida inteligente na rede, há inúmeros exemplos em que se encontram informações e enfoques instigantes. Todavia, se é inegável que as mídias sociais contemplem múltiplas possibilidades de contatos, inclusive oportunidades de trabalho, também parece inescapável certo grau de tolice, de estultícia narcisística quando a isso se limita.

Há um caráter de simulacro em seu universo – no qual a face se reveste de máscaras – com a aparência do real, cuja representação é pervertida, mascarada pela simulação da própria vida partilhada, prioritariamente, em imagens para uma suposta construção do ser – ser que pouco se sustenta senão no ter que se mostra e se exibe para ser invejado.

Umreality show na timeline pessoal

Daí a constatação de Contardo Calligaris, em uma de suas colunas na Folha de S.Paulo (http://folha.com/no1329734), de que a inveja, no Facebook, é um “regulador social”, pois que nele quase todos mentem, constituindo-se (ou confundindo-se) como valor social a inveja que se consegue suscitar. Não importa propriamente a fruição da vida ou o privilégio de ter ou fazer coisas (devidamente registradas em fotos e vídeos), mas capitanear o olhar invejoso dos outros.

Não é por menos que já surgem pesquisas que apontam certa frustração de usuários (do Facebook) diante da própria vida que lhes parece menos interessante em comparação com a de amigos, razão também da experiência angustiante do sentimento de inveja (quase sempre velado, escamoteado). Há, de certo modo, uma emulação nesse contexto – de um lado, a passividade e a frustração, de outro o desejo de tornar-se objeto (ainda que inconsciente) da inveja do outro, numa quase obrigação de mostrar-se feliz o tempo todo, na reafirmação (ou autoafirmação) da autoestima, muitas vezes, fragilizada, aparente.

Nessa “era da futilidade máxima” [expressão de Paulo Ghiraldelli, (http://migre.me/fSoeQ)] vive-se um reality show no microcosmo da timeline pessoal – em uma vida que busca significar-se perante o olhar de uma pequena multidão (quanto mais, melhor) de amigos ou seguidores, muitas vezes, também carentes de significação no macrocosmo do ciberespaço.

A vida que nos escapa por entre os dedos

Por isso a validação dessas amizades se dá por quantidade (e curtições), numa ambivalência de conceitos, apontada por Zygmunt Bauman (sociólogo polonês), primeiro no conceito do “número de Dunbar”, que demonstraria (com base nas experiências das comunidades ancestrais) não exceder a 150 o núcleo de “relações significativas”, ainda que se possa contar “500, mil, 5 mil pessoas” (não mais que voyeurs) na página pessoal do Facebook; segundo, no próprio esvaziamento de significado do conteúdo de tal conceito, e em relação à palavra amizade, que se dava por “laços humanos” (com vínculos comunitários) em contraposição ao conceito de “redes” (digitais), com sua facilidade de conectar e desconectar, em ligações/relações muito mais flutuantes, sempre abertas a novas possibilidades, mas que quase nunca ultrapassam a superfície da tela.

É possível até uma tipificação de perfis de usuários (http://migre.me/g1BHn), sejam os “reis das correntes de autoajuda”, o “lavador de roupa suja”, o “sem assunto”, os “fanáticos”, o “dois em um” (perfil de casal que não permite saber quem está postando), o “viajado” e, entre outros, o anti-Facebook, sempre disposto a reclamar de tudo. E não faltam manuais de etiqueta e comportamento, o que não evita que se cometam despropósitos e “equívocos” verborrágicos, até demonstrações de ódio e preconceitos.

Talvez a facilidade de postar essa “vida em construção” (imagética) e “amar” (lindooo(aaa), amooo etc.) e “curtir” esconda certa incapacidade real de amar, e não invejar (ou fazer-se invejar), os sucessos do outro, expondo a própria fragilidade de nossa vida, dissipada entre as premências da realidade cotidiana e a simultaneidade avassaladora do virtual – como se tentássemos agarrar a vida que nos escapa na fluidez das telas, por entre os dedos sobre o teclado, sem conseguir detê-la ou, de alguma forma, perpetuá-la.

PS: este escriba é usuário do Twitter e, ainda relutante, começa a ponderar, por motivos profissionais, em aderir ao Facebook.

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Afonso Caramano é funcionário público, Jaú, SP