Romero Rodrigues, presidente do Buscapé, resolveu aproveitar a discussão levantada pelo projeto de lei do Marco Civil da Internet para retomar sua reclamação contra o Google. Ele acusa o gigante americano da internet de beneficiar os próprios produtos (como o Google Shopping, concorrente do Buscapé) nos resultados das buscas, em detrimento dos produtos de outras empresas.
Em 2011, o Buscapé fez uma reclamação contra o Google ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Até agora, não resultou em processo. O projeto do Marco Civil, que tramita no Congresso em regime de urgência, inclui o conceito de neutralidade de rede, que obriga as operadoras de telecomunicações a tratar de forma isonômica qualquer conteúdo que trafegue na internet.
De forma análoga, Rodrigues defende a neutralidade de busca, em que todo conteúdo deveria ser tratado da mesma forma pelo buscador. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é a importância da neutralidade de rede?
Romero Rodrigues – Uma das grandes discussões do Marco Civil está relacionada ao poder do consumidor. Se as telcos (operadoras de telecomunicações) puderem controlar a qualidade de serviço do site A ou do site B, na verdade estarão criando um padrão deturpado de navegação para o usuário, e pode ser criada uma situação de mercado em que não há isonomia, não há equilíbrio.
E o que isso tem a ver com buscadores?
R.R. – Embaixo das telcos, ou em cima das telcos, existem os softwares de navegação e, acoplados aos softwares de navegação, existem os sites de busca. É muito perigoso discutir só neutralidade de rede sem discutir algo que hoje é muito debatido nos Estados Unidos, que é a neutralidade de busca. Porque, se você tem neutralidade de rede, mas não tem neutralidade de busca, o cenário final pode ser ainda pior do que se não houvesse neutralidade de rede. Sem neutralidade de rede, existem dois agentes de muito poder: a telco e o site de busca. No caso de existir neutralidade de rede, mas não a de busca, o site de busca se torna ainda mais poderoso. O mundo todo está discutindo a discriminação de sites de buscas monopolistas a competidores verticais de seus produtos.
Como essa situação afeta vocês hoje?
R.R. – É uma situação delicada, difícil. Ela se agrava todo dia porque, obviamente, a dependência é muito grande. Hoje o número de pessoas que digitam “www.buscape.com.br” é muito menor do que aquelas que digitam na barra de ferramenta de navegação simplesmente “buscapé” e clicam no primeiro resultado de busca. Todos hoje são obrigados a comprar o primeiro resultado de busca, porque alguns players de busca não reconhecem leis de marcas, de propriedade intelectual. Eles dizem que o seu competidor pode comprar (como publicidade) a sua palavra-chave (a própria marca), e então você tem de, na verdade, comprar a sua palavra-chave, para se defender desse movimento. O usuário acaba sendo pedagiado.
Mas o Marco Civil não teria impacto nessa área…
R.R. – Hoje ele não cita nada sobre isso, mas eu acho um tema relevante, porque, num curto prazo, isso traz uma degradação do serviço ao consumidor. Ele vai pagar mais pela mesma coisa ou mais, às vezes, até por menos. Nos Estados Unidos, o principal site de busca também tem um serviço de shopping. O serviço foi gratuito durante dez anos, e isso enfraqueceu muito os comparadores de preço. Agora que outros comparadores de preço praticamente já não existem, o serviço passou a ser pago. E não só é pago, como é mesclado ao próprio serviço de anunciar no site de busca, o que tem feito aumentar muito o preço dos anúncios nos Estados Unidos. E esse preço o varejo está repassando para quem? Para o consumidor. Então, toda vez que você tem menos opções em qualquer tipo de mercado e de setor, você tem um repasse de preço para o consumidor.
Essa situação afeta outras empresas?
R.R. – O longo prazo é mais preocupante. Além do Buscapé, eu sou investidor-anjo (investidor em empresas iniciantes). Eu converso com startups. Hoje a pergunta mais importante que qualquer startup tem de saber responder é: se o principal player de busca entrar no seu setor, como você faz para ele não te matar rápido? Então, quando um player consegue controlar o destino do tráfego, isso coloca em risco a criação de novos modelos de negócios. Passa a ser necessário criar negócios que não dependam dele, que não tenham interfaces com ele. Aí acabam surgindo apenas modelos de negócios acessórios, marginais, com características superlocais, ou que têm de entregar caixas ou qualquer coisa que não tenha um componente digital muito grande.
Como o sr. avalia o buscador de preços do Google?
R.R. – Foi lançado há dois anos, quando fizemos o nosso pedido ao Cade. Acho que a principal questão não é nem o produto. Acho que tanto o Buscapé quanto os concorrentes do Buscapé têm capacidade de desenvolver produtos de uma forma muito interessante. Tanto que hoje raramente o consumidor encontra os preços mais baixos no shopping do buscador. O problema é que, quando você faz a busca de um produto, o serviço de busca discrimina todos os outros comparadores, colocando o comparador do próprio serviço em pura iminência. Seria como se a Net lançasse um canal de compras e colocasse o canal não só na primeira posição, no canal 1, como no 18 (Globo em São Paulo), como no canal em que se liga a TV, e também onde era o meu canal e me jogasse mais para baixo, lá no canal seiscentos e tanto. Esse é o grande problema.
E qual seria a solução?
R.R. – A solução que se dá para isso é deixar bem claro e bem separado um produto do outro. Por que o shopping desse buscador pega carona tão forte no outro serviço e não compete simplesmente nas mesmas regras? Ter uma aba escrita shopping é ok. Fazer propaganda na TV ou em qualquer lugar é ok. Mas por que aparecer sempre na primeira posição do resultado do Google, com direito a fotografia, com direito a vários links, com muito mais espaço, enquanto os outros ficam abaixo?
Essa situação tem prejudicado o resultado de vocês?
R.R. – Temos alguns dados e estamos acompanhando essa situação. Sim, teve impacto em audiência. Também registramos um aumento do preço para a compra de mídia na própria ferramenta de busca. Porque não existe uma transparência na compra e o preço depende de um índice de qualidade confidencial da ferramenta de busca. Esse índice vem caindo com o tempo, e faz com que tenhamos de pagar mais caro. Mas o que eu posso dizer em relação a isso é que estamos obviamente fornecendo ao Cade os números que temos, e nada além disso.
O sr. não pode revelar alguns desses números?
R.R. – Não, estão em caráter de confidencialidade hoje.
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Renato Cruz, do Estado de S.Paulo