Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Como vivem os desplugados

“Me adiciona no Facebook” ou “me segue no Twitter”. Hoje, essas frases são tão comuns de se escutar quanto “anota o meu telefone” já foi um dia, principalmente entre os mais jovens. Segundo levantamento do Ibope, em agosto 27,8 milhões de brasileiros com até 34 anos navegaram por sites de relacionamento. Entre os que não participam, ainda existe no país a questão do acesso à internet ser excludente, mas alguns, por opção, preferem levar a vida desconectados.

A invasão de privacidade foi o principal motivo que levou a produtora cultural Marcelle Machado, de 29 anos, a abandonar o Facebook. No ano passado, a jovem se envolveu com uma pessoa que vive fora do país e fotos e comentários postados na rede social começaram a prejudicar o relacionamento.

– Em julho decidi sair do Facebook. O engraçado é que o meu namoro terminou no mesmo dia, porque a gente usava a rede para se comunicar – conta.

Marcelle diz não se arrepender da decisão. Segundo ela, agora está bem mais próxima dos amigos. Em vez da superficialidade de postagens e mensagens, ela precisa telefonar ou marcar encontros para colocar o papo em dia. Porém, uma funcionalidade do Facebook faz falta:

– Lembrar os aniversários dos amigos. Dos mais próximos eu sei de cabeça, outros eu anotei na agenda, mas já esqueci o aniversário de algumas pessoas.

O funcionário público Dagoberto Heg, de 34 anos, só mantém contato pela internet por e-mail. E, mesmo assim, porque é “necessário”. Facebook e Twitter não fazem parte do vocabulário do jovem, que, nadando contra a sua geração, prefere não expor sua vida aos curiosos de plantão.

– Até a minha mãe tem Facebook. Por um lado é legal, conecta as pessoas, mas não é porque alguém estudou comigo na quinta série que a gente tem algum vínculo. Com os meus amigos eu mantenho um contato mais profundo – diz.

Uso de tecnologia gera status

Avesso à tecnologia, Heg também não possui smartphone. O computador, usa “mais do que gostaria”. Preocupado com a privacidade, principalmente após os escândalos de espionagem que envolveram grandes empresas de tecnologia, o jovem considera “estranho” o comportamento das pessoas de colocarem em público informações pessoais.

– É assustador! O risco é muito grande e não compensa os benefícios.

Apesar disso, reconhece algumas desvantagens da escolha de se manter isolado virtualmente. A principal é ficar por fora de eventos culturais que são divulgados apenas pelas redes sociais. A falta de um canal para manter informados parentes distantes também é citada.

A administradora Simone Vieira, de 36 anos, está passando por essa transição agora. Cansada da “fofoca virtual”, ela resolveu encerrar sua conta no Facebook no mês passado. Natural de Itapecerica, em Minas Gerais, ela teme sentir falta do contato com a família, mas, ao menos até agora, está gostando da sensação de liberdade.

– A primeira coisa que eu fazia quando ligava o computador era entrar no Facebook. Agora estou mais leve, tranquila. Dedico mais tempo à leitura, o que eu não fazia muito.

O Brasil é o segundo país do mundo em número de usuários do Facebook, com 47 milhões de internautas que acessam a rede todos os dias, atrás apenas dos EUA, onde a rede social foi criada. O doutor em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e consultor de mídias sociais Jonatas Dornelles diz ser difícil encontrar uma pessoa que tenha acesso a computador e internet e que não esteja em redes sociais. Em suas pesquisas, ele percebeu que usar mídias sociais gera status; mas abrir mão delas também é uma forma de afirmação social:

– Não é só porque lançam um celular mais moderno que a pessoa o troca a cada seis meses. Existe um status em usar um modelo ou marca que determinadas pessoas estão utilizando. Em nossa cultura, fortemente ligada à tecnologia, a escolha de alguma rede social se transforma em um simbolismo identificável.

Dornelles explica que as redes sociais criaram uma nova forma de sociabilidade e abrir mão dessa ferramenta pode dificultar o processo de interação com outras pessoas. Desde ficar sem ver uma foto, não participar de uma discussão ou perder um evento, as desvantagens são muitas.

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Para antropólogo, ficar fora das redes pode prejudicar processo de socialização

O Brasil é o segundo país do mundo em número de usuários do Facebook, com 47 milhões de internautas que acessam a rede todos os dias, atrás apenas dos EUA, onde a rede social foi criada. O doutor em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e consultor de mídias sociais Jonatas Dornelles diz ser difícil encontrar uma pessoa que tenha acesso a computador e internet e que não esteja em redes sociais. Em suas pesquisas, ele percebeu que usar mídias sociais gera status; mas abrir mão delas também é uma forma de afirmação social, embora ficar fora das redes possa dificultar a sociabilidade.

– Não é só porque lançam um celular mais moderno que a pessoa o troca a cada seis meses. Existe um status em usar um modelo ou marca que determinadas pessoas estão utilizando. Em nossa cultura, fortemente ligada à tecnologia, a escolha de alguma, no caso as redes sociais, se transforma em um simbolismo identificável – explica.

No caso, a opção por não participar de redes sociais evoca um tipo de comportamento de determinado grupo social, e gera símbolos, ou rótulos, que podem ser reconhecidos como positivos em determinadas situações.

No entanto, o antropólogo ainda não enxerga o comportamento como definidor de uma subcultura. Assim como pessoas que substituem o carro por bicicletas para os deslocamentos urbanos, a decisão de ficar fora das redes sociais pode criar símbolos estratégicos.

– Trocar o carro pela bicicleta, na prática, significa ser “o cara ecológico”, “descolado”. Se o sujeito opta por não participar de redes sociais, ele evoca um tipo de comportamento que o atrela a um estilo de vida de grupo. Pode ser um “rótulo” interessante para ele e estratégico em sua vida – explica.

Dornelles explica que as redes sociais criaram uma nova forma de sociabilidade e abrir mão dessa ferramenta pode dificultar o processo de interação com outras pessoas. Desde ficar sem ver uma foto, não participar de uma discussão ou perder um evento, as desvantagens são muitas.

Segundo ele, diferentemente do “cara a cara” e do telefone, as redes sociais permitem a comunicação desconectada do tempo e espaço.

– Hoje em dia, as pessoas participam de grupos, fóruns, eventos, enfim, da vida social de sua coletividade, mesmo estando distantes fisicamente e também temporalmente. O sujeito pode chegar em casa de noite e participar de tudo o que foi assunto durante o dia na rede social virtual em que participa. Com isso a sociabilidade não precisa ser mais do “aqui e agora”, mas pode ser praticada “logo mais”.

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Sérgio Matsuura, do Globo