Há alguns dias, eu brincava ao dizer que o controle do conteúdo das redes sociais é monitorado por estagiários. Atenção: não há qualquer menção pejorativa aos estudantes que aprendem qualquer ofício. Mas a brincadeira virou notícia. O Facebook foi condenado a pagar R$ 5.000,00 reais a uma mulher que teve seu perfil copiado por outro usuário [ver aqui]. Trata-se da criação de um perfil denominado fake. A vítima sequer era celebridade, como usualmente ocorre em transgressões similares contidas na internet. Mas o que se discute são as argumentações do réu. A rede social, que possui ações em Bolsa de Valores, conseguiu, em sua argumentação, confundir o círculo com o quadrado.
A justiça do Distrito Federal condenou a rede social por se omitir e permitir a veiculação de um perfil falso criado na rede social. A vítima, após identificação, registrou a reclamação pelos meios fornecidos no próprio website. A rede social se omitiu a responder à indagação da usuária; e a tomar qualquer atitude com relação ao perfil falso existente. A queixa foi parar no poder judiciário. Não podendo ser diferente, a sentença condenou a rede social por omissão e danos aos direitos personalíssimos da vítima (danos estes que poderiam englobar, inclusive, os direitos autorais).
Após ser acionada no poder judiciário, a rede social alegou, em defesa, que não poderia agir contra o perfil falso criado por outro usuário, com base na livre manifestação de opinião. A livre manifestação de opinião diz respeito ao conteúdo publicado por determinado usuário, por meio do qual um juízo de valor é emitido. A única restrição à livre manifestação de opinião é a vedação ao anonimato. Se eu, ou você, leitor, nos manifestamos a favor de determinado assunto político, social, econômico ou cultural, de cuja opinião consta a identidade pessoal daqueles que a veicularam, é vedado à rede social censurar, excluir, ou proibir o conteúdo manifestado. Se há casos extremos, como por exemplo, a pedofilia, à rede social cabe informar as autoridades públicas sobre o conteúdo publicado. A livre manifestação de opinião diz respeito ao conteúdo que determinado usuário publica em sua página.
Trocando alhos por bugalhos
Outra coisa diversa é a criação de um perfil pessoal falso. Assume-se, pelo debate, que uma celebridade venha a constatar que determinado usuário tenha criado uma página pessoal, denominando-se, por qualquer razão, ser a própria celebridade em questão. Não haveria qualquer relação com a liberdade de manifestação. O assunto aqui diz respeito a danos à imagem e/ou direitos autorais da vítima, celebridade ou não. Porém, a rede social alega, em defesa, que não poderia ter excluído o perfil falso em virtude da liberdade de manifestação. Fato incrível a todos: confundir a liberdade de manifestação constitucional com danos à imagem e a direitos autorais.
A confusão entre assuntos legais distintos somente não seria um ultraje se não houvesse, por exemplo, uma política da rede social, amplamente discutida entre os próprios usuários, no que tange à censura de conteúdos publicados. Os leitores que são usuários da rede social sabem, ou deveriam saber que há censura, exclusão, ou banimento de um indivíduo que decide, por exemplo, postar fotos de nu artístico. Esse é um assunto recorrente entre os usuários. Neste particular, a rede social se imiscui na autoridade de julgar o conteúdo publicado e vetar a veiculação. Nu artístico não se confunde com pornografia; mesmo porque, há páginas de “nightclubs”, de websites de garotas de programa e de produtoras de vídeos eróticos, acompanhadas de fotos, quiçá denominadas, picantes.
Qualquer executivo remunerado conforme a importância do cargo que ocupa para gerenciar a atividade econômica desenvolvida pela rede social saberia distinguir o nu artístico da pornografia. Não precisa nem ser um renomado executivo. A distinção é clara.
Ao se omitir com relação às queixas acerca da criação de perfis falsos, ao mesmo tempo em que julga o conteúdo publicado por usuários devidamente identificados, a rede social troca alhos por bugalhos. Pela importância que a rede social exerce no cotidiano dos cidadãos, não se pode deixar passar despercebida essa nítida confusão. Espera-se, ao menos, que a votação do marco civil da internet, pelo corpo legislativo, apresente disposições claras contra essa confusão no modo de proceder da rede social.
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Eduardo Ribeiro Toledo é advogado e escritor