Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O submundo da internet

Em julho, o repórter Brian Krebs, do diário americano The Chicago Tribune, recebeu pelo correio, em casa, um envelope no qual estavam alguns saquinhos de heroína. Krebs já esperava pela entrega e o FBI, polícia federal dos EUA, fora informado. Os remetentes eram pessoas ligadas à máfia russa insatisfeitas com suas reportagens. Queriam incriminá-lo. A droga foi comprada no submundo da internet, num site chamado Silk Road. A Rota da Seda. Um canto da web profunda no qual se pode encomendar tudo, de drogas a assassinatos. Talvez o maior site desta internet paralela. O site que, na semana passada, foi encerrado por uma operação conjunta de inúmeras agências de segurança do país. É uma história incrível.

Na sexta-feira [4/10], quando se apresentou a um juiz pela primeira vez desde sua prisão na quarta-feira, Ross Ulbricht, um físico de 29 anos acusado de ser o dono da Silk Road, pediu tempo para organizar sua defesa. O advogado alega inocência. Ele é acusado de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e de encomendar dois assassinatos. Texano, que vive em San Francisco, bem barbeado e com cabelo rebelde, tem o mesmo tipo dos milhares de geeks que rumam para o norte da Califórnia em busca de sucesso no Vale do Silício. A diferença é o macacão laranja de presidiário.

Ulbricht não deixou muitos rastros na internet convencional. Os que deixou indicam um perfil ideológico. É um ultraliberal obcecado pelo trabalho do economista austríaco Ludwig von Mises e convencido de que qualquer intervenção do governo na vida do cidadão cerceia sua liberdade. A Silk Road seria, por este viés, um experimento econômico, um mercado realmente livre onde tudo pode ser comprado ou vendido, basta chegar ao preço. Fundada em 2011, foi exatamente isso por dois anos e meio. Rendeu ao fundador, nos cálculos do FBI, US$ 80 milhões.

A primeira menção

A Silk Road, assim como outros tantos sites do tipo, não podia ser alcançada através de um navegador comum, como Chrome ou Explorer. É um site da rede TOR, só disponível para quem instala uma série de programas sofisticados. A sigla significa The Onion Router, roteador cebola, nome que faz referência às inúmeras camadas de segurança. Quem navega pela internet via TOR não pode ser identificado. Curiosamente, a rede assim tão segura, que hoje gera preocupação ao governo americano, foi financiada pela Marinha do país em princípios dos anos 1990.

TOR não foi a única tecnologia que facilita o anonimato empregada pelo físico. Todas as transações eram feitas utilizando-se de Bitcoins, a moeda eletrônica difícil de rastrear. Em seu site ele se identificava com o pseudônimo Dread Pirate Roberts, uma referência a um dos personagens do romance O Noivo da Princesa, de William Goldman.

Os repórteres Nate Anderson e Cyrus Farivar, do site Ars Technica, rastrearam os passos de Ulbricht. Começou a carreira acadêmica na Universidade do Texas, de onde seguiu como assistente de pesquisa para a Universidade da Pensilvânia. Em novembro de 2011, FBI, DEA (polícia antidrogas), IRS (imposto de renda) e a Agência de Segurança Nacional se uniram para investigar seu site. O trabalho começou localizando a primeira menção à Silk Road na internet comum. Foi uma postagem num fórum assinada com pseudônimo, mas com e-mail pessoal do então estudante. Em março deste ano, Ulbricht publicou uma pergunta técnica noutro fórum, voltado para programadores. Assinou com o próprio nome, mas depois substituiu por pseudônimo. A questão tinha a ver com um problema que a Silk Road enfrentava e os agentes já estavam acompanhando seus passos.

Vasto submundo

Quando, há poucos meses, o Dread Pirate Robbins encomendou, via seu site, o assassinato de um usuário que o chantageava, quem recebeu a encomenda foi um agente disfarçado. Recebeu provas falsas de que o crime ocorrera. Quando contratou um segundo assassinato a outro grupo, a polícia decidiu agir. Não há certeza de que o crime ocorreu.

O submundo da internet é muito mais vasto do que seu maior site e dificilmente os mesmos erros serão cometidos. O fundador da Silk Road está preso, mas seus clientes não devem ser identificados.

******

Pedro Doria é colunista do Globo