Poucos dias foram tão movimentados quanto ontem para os fãs de tecnologia. De uma só vez, Apple, Microsoft e Nokia revelaram os novos produtos que traduzem suas estratégias no cada vez mais disputado mercado de dispositivos móveis. Os movimentos de ontem não interessam apenas ao consumidor em busca de novidades para o Natal. Investidores, fornecedores de componentes e grandes redes varejistas – entre outros personagens do vasto mercado de eletrônicos de consumo – aguardam com ansiedade para saber qual será o desfecho de uma guerra que ainda não tem vencedores claros em muitos aspectos: do formato do dispositivo ao modelo de negócio.
A Apple é a líder do mercado mundial de tablets. Na segunda-feira [21/10], a companhia americana anunciou ter vendido 170 milhões de iPads desde o lançamento do modelo original, em 2010. Mas essa liderança está sendo ameaçada por fabricantes que usam o sistema operacional Android, do Google. No segundo trimestre, enquanto o número de unidades entregues a distribuidores e varejistas pela Apple caiu 14,1%, o da Samsung aumentou 277%. A Apple continua à frente em participação de mercado global, mas tem visto sua fatia do bolo diminuir rapidamente. Em um ano, o percentual diminuiu de 60,3% para 32,4%. A Samsung, no mesmo período, aumentou sua parcela de 7,6% para 18%, segundo a empresa de pesquisa IDC.
O avanço dos concorrentes se deve, em grande parte, à mais óbvia das vantagens competitivas: preço menor. Mas no anúncio de ontem, conduzido pelo executivo-chefe Tim Cook em San Francisco, a Apple deixou claro que não pretende entrar em uma guerra de preços. A empresa lançou um tablet mais fino, batizado de iPad Air, e uma nova versão de seu modelo com tela menor, o iPad Mini. O primeiro aparelho vai custar a partir de US$ 499 nos Estados Unidos – alto mesmo para os padrões americanos. O que chamou a atenção é que o iPad 2, lançado em 2011, não ficará mais barato: continuará custando US$ 399, o mesmo preço do iPad Mini apresentado ontem.
Entre o celular e o tablet
Ninguém entendeu direito essa política de preço, mas a Apple demonstra ter interesse exclusivo no segmento de consumidores que podem pagar mais, o que significa menos unidades vendidas, mas uma margem de lucro maior sobre cada equipamento. Além dos iPads, a Apple lançou versões renovadas de seus portáteis MacBook e uma aguardada reinvenção do computador Mac Pro, que ganhou o formato de um cilindro negro.
Em Abu Dhabi, a Nokia anunciou seu ingresso no mercado de tablets, no primeiro grande lançamento de produtos desde que a Microsoft fez uma oferta para comprar a divisão de dispositivos móveis da companhia finlandesa. O negócio, de US$ 7,2 bilhões, foi anunciado em setembro e ainda não está concluído, embora não tenha resistência das autoridades reguladoras. A estreia da Nokia no setor era aguardada. Há anos questionava-se porque a companhia ainda não havia feito esse movimento. Os executivos repetiam que a empresa esperava o lançamento do Windows 8, desenhado para telas sensíveis ao toque. O sistema foi lançado pela Microsoft em outubro do ano passado. Com ele, a Nokia espera conquistar espaço em um segmento específico – o mercado empresarial, que compra os equipamentos para automatizar forças de vendas e aumentar a produtividade dos funcionários.
Ao definir esse foco, a Nokia também procura evitar o confronto sangrento do mercado de consumo, baseado em preços baixos e grande volume. Concentrar-se nos escritórios permite cobrar um valor maior por equipamentos mais sofisticados. O Lumia 2520, o tablet da Nokia, vai custar US$ 499, o mesmo preço do iPad Air. A companhia também lançou cinco modelos de smartphones, incluindo dois “phablets”, aparelhos cujas telas são tão grandes – no caso, seis polegadas – que são encaixados em uma categoria própria, um híbrido entre celular e tablet.
Consumidor terá de esperar
A entrada da Nokia no mercado de tablets traz uma certa confusão de fronteiras para a Microsoft. A maior companhia de software do mundo começou, ontem, a vender a segunda versão de seu tablet, o Surface 2. A decisão da Microsoft de criar um tablet próprio, anunciada no ano passado, foi cercada de polêmica. Para muitos fabricantes de eletrônicos que usam o Windows pareceu uma concorrência indevida. Além disso, a Microsoft já teve várias experiências malsucedidas na área de equipamentos, como o telefone Kin e o tocador de música Zune, embora tenha dado a volta por cima com o console de videogame Xbox, hoje um dos mais populares. Com o ingresso da Nokia no mercado de tablets, a Microsoft ficará com duas linhas diferentes na mesma área – Lumia e Surface. Entre as alternativas estaria direcionar os aparelhos para mercados diferentes ou desaparecer com um dos produtos.
Ainda é cedo para dizer se ao incorporar a divisão de dispositivos móveis da Nokia a Microsoft conseguirá seu intento de avançar rapidamente no mundo móvel, mas essa transição é essencial para a companhia americana. A Microsoft continua a dominar o mercado global de PCs, mas esse é um reino de fronteiras cada vez menores. Segundo o instituto de pesquisa Gartner, as vendas de computadores no mundo vão encolher 11,2% neste ano, para 303 milhões de unidades. Em contraste, os tablets vão avançar 53,4%, para 184 milhões de dispositivos.
O Brasil é sempre citado como um dos propulsores na adoção de tecnologias, mas o consumidor brasileiro terá de esperar pelas novidades. O Surface nunca chegou ao país e no roteiro do iPad o Brasil costuma ser precedido por mercados muito menores, como Liechtenstein, Lituânia e Chipre. Desta vez, não será diferente. Nenhum dos produtos apresentados ontem tem data de lançamento no país.
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Gustavo Brigatto e João Luiz Rosa, do Valor Econômico