Provedor de internet pode favorecer acesso a site?
NÃO
Imagine entrar na internet e ter que se restringir apenas à leitura e ao envio de e-mails. Afinal, é o que o seu contrato e seu bolso permitem. Quando você clica para ver um vídeo, seja de entretenimento ou de ensino, uma mensagem alerta que ele não pode ser exibido. Redes sociais e jogos on-line são exclusividades do pacote superior.
Fazer ligações gratuitas pela web, então, nem pensar, pois a internet completa é luxo para os poucos privilegiados que podem pagar, especialmente considerando que este serviço, de Voz sobre IP (VoIP), é concorrente das empresas telefônicas, as mesmas que detêm os cabos usados para a conexão à internet.
Depois de finalmente conseguir fazer um upgrade para ter direito a sites, você percebe que alguns endereços carregam mais rapidamente que outros. O modesto blog que você gosta de ler faz parte do grupo de endereços que têm que aguardar um longo tempo na fila até ser carregado na tela do computador.
Já outros sites maiores que têm acordos comerciais com provedores de conexão são acessíveis num piscar de olhos. O segredo é o pagamento de uma taxa extra, que permite que a fila seja furada, como um carro que aluga uma sirene para poder ultrapassar os demais veículos num eventual engarrafamento e chegar mais rapidamente ao seu destino.
Essa rede desfigurada é um retrato possível do sombrio futuro da web no Brasil caso a neutralidade da rede não seja preservada integralmente no Marco Civil da Internet.
Futuro da rede
Por mais de um ano, provedores de conexão têm conseguido impedir a votação do projeto na Câmara dos Deputados, pressionando contra a garantia de uma rede defensora dos direitos dos internautas e neutra –isto é, que não fraciona o acesso a conteúdos em blocos pagos separadamente.
O plano deles é colocar em prática o fatiamento da internet, num modelo semelhante à TV por assinatura, e cobrar preços abusivos pela experiência completa que já temos hoje. Desejam, também, ampliar seus negócios às custas da liberdade de escolha dos usuários, ao priorizar o acesso a determinados sites em detrimento de outros.
A neutralidade é o coração não só do projeto, mas da internet como a conhecemos. Numa rede neutra, a transmissão das informações deve ser isonômica: sem discriminação por origem, destino ou conteúdo dos pacotes de dados.
A quebra dessa igualdade pode traduzir-se em menos brasileiros conectados à experiência integral da internet, na contramão dos avanços recentes. O aumento de 9% no número de usuários registrado no primeiro trimestre deste ano em comparação com o trimestre anterior, computado pelo Ibope, pode se tornar coisa do passado. A exclusão digital bate à porta.
É inadmissível, portanto, que os mais de 100 milhões de internautas brasileiros continuem desprotegidos por conta da oposição de um único setor econômico. O projeto do Marco Civil da Internet é um equilíbrio entre todos os atores envolvidos. Além de garantir a neutralidade, ele protege fortemente a privacidade dos usuários e a liberdade de expressão, sendo considerada a melhor proposta de legislação para a internet no mundo.
A Câmara dos Deputados tem o dever de aprovar e oferecer ao Brasil essa lei, que possibilitará uma rede mais segura, mais livre, mais aberta e mais democrática. Que, no debate pela aprovação, ela não perca de vista o maior interessado nessa discussão: o cidadão brasileiro.
Pois vale lembrar: a democracia vai passar cada vez mais pela internet, e o futuro da internet depende da neutralidade da rede.
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Alessandro Molon, 42, advogado, mestre em história, é deputado federal (PT-RJ) e relator do projeto de lei do Marco Civil da Internet