Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

China compra passagem para Vale do Silício

As gigantes chinesas da internet estão comprando presença no Vale do Silício. Essas empresas da China, que têm poucos negócios voltados ao consumidor fora de seu mercado doméstico, estão desembolsando pequenas fortunas para adquirir novatas americanas, numa tentativa de entender como elas funcionam e até ganhar uma posição de destaque no mercado americano.

Esta semana [passada], a Tencent Holdings, empresa chinesa de rede social e jogos, planeja liderar uma rodada de captação de recursos de US$ 200 milhões para um popular aplicativo americano de mensagens chamado Snapchat, de acordo com pessoas a par do assunto. O investimento da Tencent deve dar à empresa de dois anos de idade, que não gera receita, um valor de mercado de US$ 4 bilhões.

A Snapchat é apenas o mais novo alvo da China. Em meados deste ano, a Tencent, que conta com um caixa de mais de US$ 5 bilhões gerado por sua enorme rede social e vendas de jogos on-line, liderou um investimento de US$ 150 milhões na Fab.com, empresa americana de comércio eletrônico. No mês passado, a Alibaba Group Holdings liderou um investimento de US$ 206 milhões na ShopRunner, uma rival da Amazon.com. A UCWeb, pequena empresa chinesa que desenvolve um navegador de internet para dispositivos móveis, também anunciou que está ativamente procurando oportunidades de investimento nos EUA.

Valor de mercado

Há muito protegido por um regime que bloqueia concorrentes internacionais, o grande mercado de internet chinês, que conta com 600 milhões de usuários, tem ajudado empresas como a Tencent e a Alibaba a figurar entre as maiores do mundo. A Tencent tem um valor de mercado de US$ 100 bilhões e a Alibaba está se preparando para abrir seu capital, o que pode colocá-la no mesmo patamar. O crescimento, no entanto, diminuiu nos últimos anos por causa de uma concorrência feroz no mercado chinês, e as empresas de maior porte começaram a buscar novas oportunidades no exterior.

Para obter sucesso, as empresas chinesas estão fincando bandeira no pequeno Vale do Silício, e não estão usando apenas cheques gordos. Elas estão também se associando a um pequeno grupo de banqueiros e executivos americanos. Em outubro, a Alibaba formou um grupo de investimento com base em San Francisco, liderado por Michael Zeisser, ex-executivo da Liberty Media Corp. e da McKinsey. O apetite das empresas chinesas está alimentando a valorização estonteante – e muitas vezes sem substância – que tem sido vista no mercado das jovens empresas de tecnologia dos EUA, onde fundadores que nem precisam do dinheiro estão agora recebendo ofertas generosas.

“Obviamente, a China não é a pioneira em termos de internet global”, disse Martin Lau, presidente da Tencent, em uma conferência na Universidade Stanford, no mês passado. As empresas chinesas “começarão a ter um impacto no cenário”, disse Rich Wong, sócio da empresa de capital de risco Accel Partners. “Elas têm valor de mercado necessário, e esse valor de mercado pode ajudá-las a se tornar empresas mundiais.”

Parcerias, plataformas abertas ou investimentos

No centro dessa movimentação está a Tencent, que durante anos vem tentando obter um ponto de entrada nos EUA, e recentemente se transformou em uma das concorrentes mais agressivas do Vale do Silício, de acordo com entrevistas com ex-funcionários, executivos de empresas jovens e companhias de capital de risco. A Tencent não organiza uma conferência ostentosa e nem mantém uma incubadora de empresas novatas, mas David Wallerstein, executivo sênior da empresa em Palo Alto, Califórnia, e seus colegas visitam os escritórios de empresas de capital de risco e discretamente armam suas redes de conexão em eventos de investimento e da indústria de videogames. Um empresário descreveu Wallerstein como “bem-conectado”.

Em Shenzhen, onde a Tencent mantém sua sede, dois ex-executivos do Goldman Sachs dão as cartas. Lau, o presidente da empresa, trabalhou anteriormente na McKinsey e depois dirigiu o grupo de telecomunicações, mídia e tecnologia do Goldman na Ásia. James Mitchell, diretor de estratégia, dirigia a cobertura global de internet do Goldman Sachs em Nova York, mas em 2011 foi contratado pela Tencent e levado para a China.

A Tencent se recusou a ceder qualquer um dos executivos para entrevistas e também não quis comentar sobre a Snapchat. “Estamos interessados em trabalhar com empresas que compartilham nossos objetivos por meio de parcerias, plataformas abertas ou investimentos de capital”, disse um porta-voz.

Investimentos estratégicos

Fundada em 1998, a Tencent ganhou destaque com um sistema de mensagens instantâneas chamado QQ, direcionado a estudantes universitários chineses. A empresa utilizou seu domínio no nicho de bate-papos – ela hoje afirma ter mais de 800 milhões de usuários mensais ativos – para direcionar as pessoas para seus videogames e sites de rede social, onde ganha dinheiro com a venda de produtos virtuais, jogos online e anúncios de publicidade. Menos de 10% do faturamento da Tencent vem de anúncios, comparado aos cerca de 80% do faturamento de publicidade do Facebook. Há muitos anos, a Tencent vem tentando ganhar força nos EUA. A empresa desenvolveu produtos, como jogos para o Facebook, por exemplo, que nunca decolaram. Por outro lado, ela deixou passar várias grandes oportunidades para investir na fase inicial da Zynga e do YouTube.

A Tencent mudou de estratégia em 2011 e decidiu abrir os cofres. A empresa anunciou um fundo de US$ 760 milhões para empresas emergentes. Mais tarde, naquele mesmo ano, contratou Mitchell, que se formou em Oxford e passou anos no Goldman estudando as finanças de empresas de internet como o Google e a Tencent. Em 2012, a Tencent investiu em empresas de capital de risco, como a Andreessen Horowitz e a SV Angel, que a ajudaram a pegar o bonde de empresas novatas em ascensão. Em 2012, a Tencent adquiriu o controle da fabricante de jogos Riot Games, por US$ 231 milhões, e comprou cerca de 40% da Epic Games, por cerca de US$ 330 milhões.

Em meados deste ano, a Tencent também se uniu a um grupo de investidores que desembolsou US$ 2,34 bilhões para comprar uma participação de quase 25% na Activision Blizzard. O trio de executivos da Tencent, juntamente com outros membros da equipe de administração, realiza frequentes reuniões na China para discutir investimentos estratégicos.

Conversa sobre aquisição

Para uma grande operação como a do Fab.com, Mitchell costuma lidar com a maior parte do processo e das negociações, de acordo com pessoas a par das tomadas de decisão da empresa. Mitchell – que costumava encher Lau de perguntas sobre margens quando era analista – é conhecido por prestar muita atenção no setor financeiro de uma empresa e em seu faturamento projetado. Lau, que fez mestrado em engenharia elétrica na Universidade de Stanford, é descrito por funcionários da Tencent como uma pessoa equilibrada.

Normalmente, a Tencent compra participações de 30% ou mais nas empresas, como no caso da Riot Games ou da Epic Games. No entanto, ela não conseguiu seguir a mesma estratégia nos EUA, onde os fundadores de empresas jovens hesitam mais em vender uma grande fatia do patrimônio. O lance pela participação na Snapchat, que permite aos usuários enviar mensagens que expiram em questão de segundos, pode ser conectado a ambições globais da Tencent para seu próprio aplicativo de mensagens para smartphones, o WeChat. O aplicativo, que em agosto tinha 236 milhões de usuários mensais ativos, é um sucesso estrondoso na China, mas é menos popular em outros países.

A Tencent conversou anteriormente com executivos da rival americana WhatsApp sobre uma aquisição, de acordo com pessoas a par do assunto. “Eles estão procurando escala, especialmente nos EUA, na Índia e na Europa”, disse um investidor de capital de risco que se reúne com executivos da Tencent com frequência (colaborou Douglas MacMillan).

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Evelyn M. Rusli e Paul Mozur, do Wall Street Journal