Você entra em um site de comércio eletrônico pensando em adquirir um produto – uma camisa, por exemplo. Mas por algum motivo, desiste da compra e abandona a loja online. Horas mais tarde, enquanto navega em um site completamente diferente, aparece na página o anúncio da camisa. Você se surpreende com a aparente coincidência – e ficará ainda mais surpreso nos próximos dias, quando o anúncio voltar à sua tela inúmeras vezes, em sites variados, enquanto você confere a previsão do tempo ou revê os gols do seu time.
Esse é só um exemplo do que são capazes as novas ferramentas tecnológicas orientadas ao marketing – softwares que analisam o perfil do consumidor e usam seu histórico de navegação na tentativa de exibir aquilo que ele estaria mais interessado em consumir. Em boa parte dos casos, não há nenhuma pessoa por trás desses movimentos. O aparato é executado automaticamente por computadores, em operações de compra e venda de anúncios que lembram o frenesi do mercado financeiro.
Os programas fazem sucesso entre agências de publicidade, mas são concebidos nos laboratórios das empresas de tecnologia. “É um mundo muito mais de engenheiros do que de publicitários”, diz Marcelo Lobianco, vice-presidente executivo do Interactive Advertising Bureau (IAB), uma das principais organizações internacionais de mídia digital.
Leilão virtual
À medida que a internet crescia e ficava mais complexa – hoje, dois bilhões de pessoas acessam a web de PCs, tablets e celulares no mundo – ficou claro que a cadeia da publicidade tradicional, formado por anunciantes, agências e meios de comunicação, não era mais suficiente para compreender e satisfazer os anseios do consumidor, diz Alessandro Gil, diretor da Rakuten Marketing, divisão do grupo japonês de comércio eletrônico voltada à publicidade na internet. Era preciso recorrer aos grupos de tecnologia para criar softwares capazes de tornar o processo de compra mais eficiente.
O resultado dessa tendência, que ganhou força nos últimos três anos, é que a cadeia da publicidade passou a ter mais de 20 elos diferentes, com os personagens tradicionais passando a conviver mais com companhias que capturam de dados do internauta, traçam padrões e perfis, ou compram e vendem espaço digital, entre outras. São três os elementos básicos na composição dos programas: o uso de dados coletados dos computadores, ou cookies, que fornecem informações sobre o comportamento do internauta; as fórmulas matemáticas, ou algoritmos, que fazem a análise das informações, e os sistemas de correlação entre diferentes fontes de informação.
A empresa brasileira Adtrade foi criada há quatro meses para vender anúncios em tempo real, o chamado real time bidding (RTB). Quando um internauta acessa um portal, a página envia para a Adtrade informações sobre os espaços disponíveis para anúncios e o perfil de quem está na página. Os sistemas checam se algum anunciante tem interesse no site, sob aquele perfil de consumidor, e faz um leilão virtual do espaço. O anunciante que der o lance mais alto exibe seu anúncio. Tudo é feito automaticamente, em uma fração de segundos, milhares de vezes por dia.
“Trata-se de um jogo global”
A Adtrade foi fundada com recursos do fundo alemão Project-A, que investe em companhias de internet quando elas ainda são apenas ideias. O valor do aporte não é revelado. O projeto foi desenvolvido por Fernando Galender e Robson Del Fiol, de 28 e 32 anos, ambos com experiência na área de sistemas de análise de dados. Nenhum dos dois sócios passou por agências de publicidade. Segundo Del Fiol, os alvos da Adtrade são empresas de comércio eletrônico de pequeno e médio portes, fornecedores de serviços online e companhias que vendem para outras empresas. “O RTB representa cerca de 1% da publicidade feita em banners e outros elementos gráficos na internet no Brasil. Há um potencial muito grande a explorar”, diz Galender.
No Brasil, a publicidade online tem avançado nos últimos anos, mas ainda enfrenta resistência. Diferentemente da Europa e dos Estados Unidos, no país as agências publicitárias são responsáveis pela compra de espaço para anúncios, o chamado bônus de veiculação, ou BV. Na publicidade digital, o pagamento de BV tem um apelo menor, já que a compra de espaço geralmente é feita por meio de pregões virtuais. A expectativa de especialistas é que a internet ainda levará alguns anos para alcançar uma fatia relevante do mercado brasileiro. No ano passado, o movimento da publicidade na web foi de R$ 4,5 bilhões, o equivalente entre 10% e 12% do mercado total, segundo o IAB. A projeção para este ano é de R$ 6 bilhões.
Enquanto o mercado se acomoda, empresas como a Tail Target, criada há dois anos para criar perfis de internautas e vendê-los aos anunciantes, já sonham com mercados internacionais. “Nada impede que eu expanda minha atuação para a América Latina, por exemplo. Trata-se de um jogo global, que se baseia no volume, na escala”, diz Cristiano Nóbrega, cofundador da companhia. A Tail Target está em busca de investidores para acelerar seu crescimento.
Internauta pode se precaver
Segundo Fernando Tassinari, diretor de vendas para América Latina da Turn, companhia americana que opera nos mesmos moldes da Tail Target, uma das vantagens do modelo é o baixo custo operacional. Quase 80% do trabalho é feito de forma automatizada. A interferência humana é necessária apenas para tomar decisões como a necessidade de o anunciante redirecionar seus investimentos em um determinado site depois que uma campanha publicitária entra no ar.
A sofisticação tecnológica empregada pela publicidade na internet levanta uma questão importante: a privacidade do internauta. As empresas do setor afirmam que o usuário não é identificado diretamente pelas informações coletadas de seu PC. Ou seja, sabe-se qual o hábito de consumo de uma pessoa, mas não quem ela é. Mesmo assim, reconhecem os executivos do setor, ainda é preciso discutir regras mais claras para definir limites éticos.
Enquanto isso, o internauta pode se precaver. Uma sugestão é desabilitar a opção de salvar cookies no navegador de internet. Outra é solicitar a empresas como a TailTarget e a Turn que não rastreiem suas máquinas. Não é um expediente fácil. Em tese, o consumidor precisaria bater em várias portas para evitar a prática, mas, segundo as companhias, os pedidos são sempre atendidos.
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Gustavo Brigatto, do Valor Econômico