Depois de ganhar um tablet no Natal passado, Luíza Soares Ribeiro convidou as filhas Zoraide e Mafalda para ingressarem em um curso de informática, na zona Leste de São Paulo, onde moram. Não demorou muito para que fossem fisgadas pela internet, em especial as redes sociais. Zoraide passou a usar o Facebook para se comunicar com a amiga Jane, que mora nos Estados Unidos, e para expor seu trabalho artesanal em madeira. Mafalda virou fã de jogos populares na rede social, como o Candy Crush, e não se incomoda em avançar madrugada adentro à frente da tela. Poderia ser só mais uma história sobre o poder de atração das redes sociais, mas o que torna o caso incomum são as idades do trio: Luíza tem 88 anos, Mafalda, 69, e Zoraide, 67.
De um espaço digital dominado por adolescentes e jovens adultos, as redes sociais começam a receber um número crescente de usuários mais velhos. Em outubro, segundo levantamento encomendado pelo Facebook e revelado com exclusividade ao Valor, o número de visitantes com mais de 55 anos cresceu 58% em relação a 2012. É um aumento bem superior ao de outras faixas, e à própria evolução média de audiência do site entre usuários a partir dos 15 anos, que cresceu 46%.
Atualmente, o Facebook tem 4,6 milhões de usuários com mais de 55 anos, que representam 7,8% do total. Parte deles se encaixa na terceira idade, um conceito cujos limites são variáveis. No Brasil, considera-se que essa etapa de vida começa aos 60 anos, mas há outras classificações, que indicam 65 e até 75 anos.
O tempo de navegação em casa
Para o Facebook, essa mudança de perfil não é preocupante. “Não queremos ficar restritos a uma faixa etária mais jovem”, disse Camila Fusco, gerente de comunicação da empresa no Brasil. “O crescimento da audiência entre os mais velhos só mostra o quanto a plataforma é democrática.” O movimento não está restrito ao Facebook. Um levantamento feito pela empresa de pesquisa Nielsen Ibope para o Valor mostra que os usuários com mais de 55 anos responderam por 10,3% da audiência das redes sociais e fóruns em outubro, uma participação maior que a faixa etária de 21 a 24 anos, responsável por 6,7% da presença nas comunidades virtuais.
A facilidade de uso explica por que o Facebook e os jogos eletrônicos são as opções preferidas da terceira idade na internet. A rede social facilita a tarefa de acompanhar, mesmo à distância, a vida de filhos e netos. Já os games são uma forma de se divertir sem sair de casa. A matriarca Luíza é fã declarada dos joguinhos. Na época do curso de informática, nem uma queda a deixou afastada das aulas. Agora, ela mostra a mesma determinação na hora de jogar. “Só paro quando acaba a bateria do tablet”, disse.
Aos poucos, outras formas de uso ficam populares entre os mais velhos, como o Skype (para falar com a família), os serviços bancários via internet, as pesquisa no Google e o envio de e-mails. Tudo isso está aumentando consideravelmente o tempo de exposição do grupo à internet. De acordo com a Nielsen Ibope, em outubro, os usuários com mais de 65 anos navegaram 42 horas e 35 minutos em média, mais que adolescentes de 12 a 17 anos (30 horas e 30 minutos), jovens de 18 a 24 anos (36 horas e 48 minutos) e adultos de 25 a 34 anos (41 horas e 58 minutos). O levantamento só leva em conta o tempo de navegação em casa.
Curso em três módulos
“O Facebook está substituindo a novela como opção de entretenimento dos mais velhos”, disse a socióloga Celia Belém, da consultoria Arquitetura do Conhecimento, que analisa o comportamento do consumidor. A própria Célia, de 65 anos, aderiu ao Facebook. “É uma forma de encontrar amigos com quem trabalhei nos anos 90”, disse a ex-executiva de agências de propaganda. Em dezembro, Celia pretende participar de um almoço entre amigos feitos na rede social. “O Facebook tornou-se um espaço para quem está aposentado expressar sua opinião, é uma espécie de fórum de ideias”, afirmou.
Para o pesquisador José Calazans, da Nielsen Ibope, o avanço dos mais velhos na rede mundial ocorre independentemente de classe social. A princípio, os acessos residenciais ficaram restritos às classes A e B, mas o cenário mudou. “À medida que o preço dos computadores diminuiu e a oferta de banda larga fixa aumentou, a classe C passou a explorar a internet”, afirmou Calazans. A banda larga móvel, mesmo que indiretamente, também favoreceu o avanço dos mais velhos. “Hoje, os jovens navegam principalmente por dispositivos móveis, e acabam deixando de lado o computador de casa, que é usado pela terceira idade para passar o tempo”, afirmou Calazans.
O mercado publicitário ainda não percebeu esse movimento, disse o pesquisador. Outros negócios, porém, já farejaram as oportunidades. É o caso dos cursos de informática. Na Pró-Soluta Tecnologia, localizada na Vila Carrão, zona Leste de São Paulo, 80% do público de 170 alunos tem mais de 60 anos. “Há cerca de 10 anos, abrimos a escola para oferecer cursos profissionalizantes e de informática. Mas, com a procura maior por parte da terceira idade, redirecionamos o foco”, afirmou Fernanda Silva Pinto, proprietária da Pró-Soluta. Para os idosos, o curso tem três módulos: introdução à informática e Windows, internet e Facebook.
“Tem gente que põe até dor de barriga no Face”
Segundo Fernanda, muitos alunos chegam à escola por indicação médica, porque estão sozinhos e em depressão. Mas há quem venha por insistência dos filhos, que querem ver as mães conectadas, como é o caso de Alda Borges, de 83 anos. Viúva e dona de casa, ela recebeu de presente dos filhos um notebook e procurou encaixar as aulas de informática em sua agenda, que também é preenchida por aulas de alongamento e hidroginástica.
“Ainda sou meio cismada em usar o notebook. Acho que posso estragar alguma coisa se apertar o botão errado”, disse Alda, que levou para a escola as amigas Amélia, de 74 anos, e Irene, de 89. Por enquanto, a preferência de Alda no computador é por jogos de caça-palavras, palavras cruzadas e jogos da memória. “Mas meu filho já criou um perfil para mim no Facebook e eu estou aprendendo a usar”, disse. Amélia está mais familiarizada com a rede social. Usa o notebook todos os dias para acessar o Facebook, mas pediu para a filha trocar o Windows 8 pelo 7, que é “mais fácil de usar, igual ao da escola”, afirmou. Prudente, a aluna septuagenária reprova o excesso de exposição das pessoas na rede social. “Tem gente que põe até dor de barriga no Face”, disse. “É um exagero.”
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Em SP, 3ª idade tem lan houses próprias
Há quatro anos, depois de passar por uma cirurgia, o empresário Sérgio Contente, presidente da fornecedora de softwares Contmatic Phoenix, sentiu-se frustrado. Da cama do hospital, ele conseguiu tranquilizar família e amigos sobre seu estado de saúde, por meio do Skype, com exceção de sua mãe. “Fiquei constrangido, afinal, atuo no ramo de tecnologia e não havia conseguido incluir a minha mãe, de mais de 70 anos, no mundo digital.”
Em 2010, Contente deu início à fundação que leva o seu nome e atua na zona Leste de São Paulo. Por meio da Fundação Sérgio Contente, jovens de baixa renda têm acesso a cursos profissionalizantes. Para quem tem mais de 60 anos, a fundação passou a oferecer o curso de inclusão digital para a terceira idade. Neste ano, foram formados 1,2 mil alunos, que vão participar de uma cerimônia de colação de grau e de um baile. “Outros mil estão na fila de espera do curso, que é gratuito”, disse Contente.
Há um ano, a fundação abriu a primeira lan house para a terceira idade. Hoje, são três unidades, nos bairros de Tatuapé, Mooca e Penha. Nas lan houses são oferecidos o curso de inclusão digital e oficinas. “Uma das mais procuradas é a de Windows Movie Maker, que faz edição de vídeos”, disse Contente. Outras oficinas abordam programas e serviços populares, como Photoshop, Facebook e Skype.
Moça reconhece instrutor da página do Facebook
Uma das alunas de Wellington Romeu, instrutor da lan house do Tatuapé, pediu ajuda para preparar um trabalho com o Movie Maker para levar à mãe dela, que está internada. “Ela trouxe 300 fotos para organizarmos uma apresentação, com música e mensagens de encorajamento”, disse Romeu.
Romeu e o colega Rodrigo Berbel, outro instrutor da lan house, costumam receber mimos dos alunos, que fazem questão de trazer um bolinho sempre que alguém do grupo faz aniversário. “A gente ganha de tudo: chocolate, camiseta, calça, carteira”, disse Berbel.
Para os instrutores, é nítido o quanto os mais velhos precisam de orientação especializada para desbravar a internet. “Muitos já pediram ajuda a filhos ou netos, mas ninguém costuma ter tempo ou paciência”, disse Berbel. Isso não significa que os filhos não estejam ligados ao que os pais fazem na rede. “Na semana passada, uma moça me parou na rua e perguntou se eu era o Rodrigo”, disse o instrutor. “Ela me reconheceu da página do Facebook da mãe dela.”
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Daniele Madureira, do Valor Econômico