Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Muito Facebook – e pouca concentração?

Num anúncio que está passando na televisão atualmente na Espanha, duas crianças desenham suas famílias. Um deles desenha o papai, a mamãe e os irmãos, todos com um celular grudado na orelha. O que a propaganda quer transmitir é uma oferta com acesso ilimitado ao celular. “Use o celular o quanto quiser! Correio eletrônico, vídeos, Facebook, Instagram e WhatsApp!”

Passamos muitas horas grudados a uma tela. Por trabalho, mas cada vez mais por prazer porque é útil para nos comunicarmos, a nossa prioridade. Verificar se recebemos uma nova mensagem eletrônica (coisa que costumamos fazer várias vezes por dia, obsessão recentemente batizada de “infobesidade”), manter várias conversas em grupo via WhatsApp, consultar confissões e notícias pelo Facebook, Twitter e outras redes sociais… E fazemos isso a todo momento: enquanto vemos televisão, comemos ou inclusive em plena peça de teatro (alguns teatros optam, eventualmente, por permitir o uso do celular durante as apresentações, para que o público compartilhe nas redes sociais aquilo que vê).

Todos (ou a maioria) já fomos vitimados pelo influxo digital. Os mais jovens também. Nos Estados Unidos e na Alemanha, os adolescentes passam sete horas e meia por dia usando meios digitais. Alguns autores já alertaram sobre os efeitos desses processos sobre a mente. É o que faz o livro A Geração Superficial – O Que a Internet Está Fazendo Com os Nossos Cérebros (Editora Agir), de Nicholas Carr, que decidiu abandonar a vida ultrainformatizada e se mudou para as montanhas do Colorado, onde não havia telefone celular e a internet chegava mal. É também o caso de Manfred Spitzer, diretor da Clínica Psiquiátrica Universitária de Ulm e do Centro de Transferência de Conhecimentos para os Neurônios e o Aprendizado, no livro Demência Digit@l. O primeiro resumia assim os efeitos da internet sobre si mesmo: “Perco o sossego e o fio da meada, começo a pensar em que outra coisa fazer. Sinto-me como se estivesse sempre arrastando meu cérebro descentrado de volta para o texto. A leitura profunda que costumava vir naturalmente se transformou em um esforço”. Alguém mais já passou por isso? Já se viu em dificuldades para se enfiar em um livro, ou deixou de fazê-lo para checar suas mensagens no Facebook?

Mais jovens leem muito, mas de maneira diferente

Spitzer, por sua vez, escreve o seguinte em seu livro (inédito no Brasil): “A afirmação de que a competência nas novas tecnologias teria uma correspondente repercussão positiva não foi demonstrada de forma alguma até agora. É estúpido também que a neurociência suspeite justamente do contrário. É que alguns estudos demonstram que o cérebro cresce justo onde é utilizado. E o contrário também é válido. Se não se utiliza o cérebro, ele então se atrofia”. Spitzer se preocupa com a maneira como a expansão da tecnologia afeta o cérebro das crianças. Sua opinião é de que não é conveniente para elas terem mais acesso a essas telas. “A utilização de computadores em idades muito tenras na creche pode motivar transtornos de atenção e, um tempo depois, ainda em idade pré-escolar, pode conduzir a transtornos da leitura”, afirma.

A Federação de Editores da Espanha, no entanto, não acredita que os mais jovens leiam menos. “Apesar do lugar-comum generalizado, é o setor com mais leitores”, diz Antonio María Ávila, secretário da federação, em cujo Anuário 2012 conclui que 84,6% dos mais jovens leem no seu tempo livre. “E logicamente estão 100% escolarizados. Mas há dois tipos de leitura, uma prática e outra mais repousada. O que acontece ao ler digitalmente, seja num tablet ou no computador, é que a pessoa sente mais necessidade de comentar o que lê com quem for possível.”

“Leitura profunda se transformou em esforço”

Eva Martín, uma madrilenha de 13 anos, está de acordo com Ávila. Ela joga Minecraft em um computador, usa “muito” o Facebook e o Twitter, mas também lê quase toda noite um livro na cama. “Tenho tempo para ler e para me comunicar pelo WhatsApp. São coisas diferentes. Gosto de me afundar na leitura. Agora estou lendo As Lágrimas de Shiva, que é misterioso e interessante. Pediram no colégio. E já escrevi uma história de 28 páginas de um menino que encontra um anel mágico, que é a porta para uma casa muito estranha.”

Nota-se a mudança nas escolas? Segundo Amparo Torralbo, professora de espanhol e literatura no Instituto de Educação Secundária Joaquín Araujo, em Fuenlabrada, observa-se uma mudança na forma de escrever. “Eu me lembro da primeira vez que vi ‘catalão’ escrito com K. Precisa ser muito burro!, pensei. Vemos erros gravíssimos que podem decorrer das novas tecnologias, e acho que afeta a garotada, sua expressão, porque colocam uma abreviatura atrás da outra.” Por outro lado, os alunos mantêm o nível de leitura, segundo essa professora. “Leem o mesmo que antes, mas de outra maneira, baixam em vez de comprar o livro fisicamente. Mudam o suporte. Mas que leiam ou não depende mais dos seus gostos e interesses – embora muitos tenham uma dependência total do celular.” Torralbo tem um filho adolescente que adora jogar videogame, e como muitos pais ela impôs limites: o garoto só pode usar o console no fim de semana.

“Estamos ligados em muitas coisas, mas sem consolidar nada”

Adriana Díaz, 24 anos, moradora de Cáceres, lê diretamente no seu celular. “Para enxergar é pior que o papel, mas… É um romance leve, tipo Cinquenta Tons de Cinza, que me recomendaram.” Díaz fornece outra pista: confessa que tem dificuldades para ver um filme inteiro. “É que são duas horas, acho difícil manter a atenção… Uma série passa mais rápido para mim. Acho que perdemos a capacidade de nos concentrar. Tudo se tornou mais rápido, mais em pequenas pílulas.”

Quem lida com livros eletrônicos dedica mais tempo à leitura

O psicólogo educacional José Antonio Luengo, que dá aulas de Técnicas de Comunicação Educacional na Universidade Camilo José Cela, diz discordar da crença generalizada de que vamos de mal a pior. “É verdade que nossa garotada passa muito tempo pendurada nas telas e nos tablets. Basicamente eles estão desenvolvendo procedimentos de comunicação diferentes dos comuns, mas que também são importantes. O fundamental, o que devemos estudar, é se na escola se introduzem e se trabalham de forma eficaz a interpretação de textos e a escrita no formato digital. É importante que continuem manuseando o livro em papel, e disso depende que leiam textos e façam resumos no ensino primário. Isso se faz e vai continuar a ser feito na escola.”

Não é preciso olhar para o outro lado, porque os adolescentes vivem na era digital e se comunicam com todo mundo, opina Luengo. O especialista acha que as escolas têm um objetivo, que é ensinar aos alunos as habilidades para a leitura digital. “O professor tem de saber que há uma série de habilidades que ele pode aprender. Essa é uma tarefa que o docente também tem, e para a qual não estamos suficientemente formados.” Apesar de tudo, Luengo acha que a mudança não está afetando a capacidade de leitura dos mais jovens. “Se estão lendo, mesmo que seja no Facebook, estão adquirindo as chaves da leitura. Acho que nossas crianças quando elaboram um texto ou fazem um comentário estão pondo suas ideias em preto no branco. O que acontece é que, na leitura na tela, a leitura profunda é incompleta. O problema é que passamos tempo demais nesse tipo de leitura e dedicamos menos à mais sossegada. A absorção não é a mesma quando você lê uma página em papel sem interrupções. Na leitura digital há certa dispersão. Você vai de uma tela a outra, o texto leva você a um vídeo, e depois a um mapa, e a concentração é menor, embora a quantidade de leitura seja maior.”

Segundo os especialistas, há um novo fenômeno que afeta cada vez mais gente: a atenção parcial contínua. É o que acontece quando passamos muito tempo diante de uma tela e “ficamos ligados em muitas coisas, mas sem chegar a solidificar nada”, como descreve Luengo. “Algo assim como ‘quem tudo quer nada tem’.” Para lutar contra o fenômeno, ele acha que devemos buscar um equilíbrio. “O livro em papel nos permite uma vida interior que é indispensável viver e que não é tão fácil de experimentar quando se está diante de uma tela que permite ir de um lugar para outro. É preciso equilibrar a abordagem dos textos. Porque a incapacidade que estamos observando nos alunos lhes impede de ter esse mundo interior. É importante que interpretem bem o que leem. Digo a eles: ‘Animem-se e leiam, mas voltem à página original e façam anotações do que leram’.”

Isidro Moreno, professor de Tecnologia da Informação e da Comunicação na Faculdade de Educação da Universidade Complutense de Madri, inclui uma nova referência: o conhecimento quebra-cabeças. “A internet e todos os dispositivos móveis fazem com que os jovens interpretem o mundo mediados pelas tecnologias, cria-se um conhecimento quebra-cabeças, ou uma sociedade-mosaico. Meus alunos lidam com bastante desenvoltura com os meios de comunicação, mas ficam só na parte externa dos meios, não aprofundam. Não têm tempo, ninguém os preparou, e os professores não estamos preparados para ver o que há por trás.” Para Moreno, “tudo isso vai em detrimento da leitura clássica, tradicional. Mas nos falta tempo e sossego para sentarmos e lermos. E quando você propicia isso para os mais jovens eles fazem, mas é preciso propiciar essa situação e criar a necessidade. Por sorte, os jovens são muito espertos”.

Na Fundação Sánchez Ruipérez, foram feitos vários estudos, com a participação de 300 pessoas, a respeito do impacto da leitura digital sobre crianças e adultos. “Desde 2008 defendo que o digital vai mudar a forma de ler”, diz Luis González, diretor da fundação, que explica suas conclusões: “Esta fundação acredita que o importante não é se obcecar com o quanto as pessoas leem. Todos os estudos que manuseamos nos dizem que as crianças leem mais agora do que há 10, 20 ou 30 anos, tanto em número de livros quanto em frequência. As pessoas que lidam com livros eletrônicos dedicam mais tempo à leitura do que antes. Depois, no caso dos tablets, há outro componente positivo, o fato de ele conectar uns aos outros, ao contrário dos livros confinados. A desvantagem é que, ao ter a internet no tablet, me aparecem comunicações continuamente, e me distraio. A partir de agora vamos ter vários tipos de leituras: uma leitura de navegação muito superficial, e essa forma de passar uma vista-d’olhos vai se transferir para a leitura dos livros digitais. E depois haverá uma leitura mais pausada”.

González se lembra da primeira vez que leu em um Kindle: “Sublinhei uma frase e o aparelho me informou que 17 pessoas no mundo haviam sublinhado a mesma frase. Isso me pareceu muito potente e inquietante.” Ele também alude à necessidade de buscar um equilíbrio. “A leitura profunda é fundamental, porque gera uma capacidade de abstração muito maior, obriga você a manter um conceito ao longo de muitas páginas. Se nos dedicamos só ao vapt-vupt nos desvalorizamos como leitores. Eu agora me defino como um leitor pós-digital – pessoas que assumimos isso e nos reencontramos com a leitura no verão, e nos entregamos a uma leitura mais luxuosa e prazerosa do que quando só tínhamos o papel.”

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Como melhorar a leitura digital

Conselhos elaborados pelo psicólogo educacional José Antonio Luengo para que os jovens melhorem a leitura digital:

– Quando entrar pela tela em um texto do qual precisar tirar conclusões, não hesite em seguir determinadas orientações do próprio texto que levem você a outras referências, não hesite em se movimentar seguindo seus conselhos. Mas faça isso com um caderno e um lápis à mão, para ir registrando ideias e observações.

– Ao terminar a leitura do texto, elabore um resumo do que você leu, em seis ou sete linhas. Não vá dormir nem jogar videogame sem ter feito isso antes. Se você não ordenar as ideias, as perderá e as esquecerá.

– Depois de chegar a uma ideia, de ir para outra página ou de fazer um esquema, procure voltar a ler o texto original em uma situação na qual nada o interrompa, sem clicar nos hiperlinks, como se estivesse lendo um livro.

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Carmen Pérez-Lanzac, do El País