Todos os dias, milhões de brasileiros param sua rotina por alguns minutos para ver um vídeo engraçado no YouTube, uma postagem no Facebook ou um novo tumblr comentando a piada-sensação do momento. É uma cena que se repete em escolas, escritórios, casas ou no transporte público. Não à toa, quando questionados sobre as peculiaridades do brasileiro nas redes sociais, diretores de startups de internet estrangeiras destacam sempre o humor, adotado como um elemento característico do país.
No centro disso – e de olho no que se passa por aqui – está o YouTube, plataforma de vídeos do Google. Em junho, a empresa organizou a Semana da Comédia, voltada para incentivar a produção nacional do gênero. Na época, a vice-presidente do YouTube no Brasil, Danielle Tiedt, disse ao Link que “o humor está sempre nos canais mais vistos no Brasil”. De acordo com a SocialBlade, empresa que mede audiências no site, sete dos dez canais com maior número de assinantes por aqui são destinados ao riso. O campeão de acessos no Brasil é o Porta dos Fundos, criado por um grupo de humoristas – entre eles o colunista do EstadoFábio Porchat –, que publica duas novas esquetes por semana. Após mais de 150 vídeos publicados, o canal conta com 50 milhões de visualizações mensais.
Para Gregório Duvivier, um dos integrantes do Porta dos Fundos, o segredo é não fazer humor com prazo de validade. “Tentamos fazer graça com situações atemporais, e apostar na periodicidade para fidelizar o público. Hoje, nossos vídeos podem ser vistos a qualquer momento, porque não tem vínculo temporal, e não param de gerar renda.” E muita. Estimativas da SocialBlade apontam receita de US$ 10 mil por dia.
A página oficial do Porta dos Fundos no Facebook tem quase 2,3 milhões de fãs. No Twitter, são seguidos por 250 mil usuários. As redes ajudam na viralização das esquetes, além de servir como ambiente propulsor de conversas que podem resultar em boas piadas. É o que diz Leonardo Tristão, diretor geral do Facebook no Brasil, que afirma que a rede social é a maior responsável por levar audiência ao YouTube no País.
Para Fábio Coelho, diretor-geral do Google no Brasil, o sucesso do grupo remonta a clássicos da TV brasileira, como TV Pirata e Família Trapo, mas só conseguiu ressonância por estar em um ambiente aberto. “Uma plataforma como o YouTube permite que se fale com muita gente, e com qualidade. Quantos humoristas não estavam fazendo stand-up, sonhando em trabalhar na Globo e se tornaram conhecidos pelo nosso site?”, diz ele, citando nomes como Galo Frito, Parafernália, Felipe Neto e PC Siqueira.
Laço social
Mas, afinal, o que é que o brasileiro tem de diferente no fazer rir? “Temos uma enorme vocação para o humor e o afeto. Compartilhar uma piada é gerar um círculo de afeto e confiança”, teoriza Gregório Duvivier. Para Ben Smith, diretor do site americano BuzzFeed, que ganhou versão local de suas notícias divertidas em outubro, “a internet brasileira é local e universal” ao “mixar” referências estrangeiras e conteúdo próprio, citando como exemplo o caso do blog NãoSalvo, de autoria de Maurício Cid, conhecido pelo bom relacionamento com leitores, gerando alta fidelização com a página de humor.
Já Jeferson Monteiro, o publicitário por trás do perfil Dilma Bolada, que mostra uma versão pessoal, vaidosa e extrovertida da presidente Dilma Rousseff, acredita que “a tendência de ver e gostar de páginas engraçadas é um prolongamento da vida real do brasileiro para a vida online”.
“Somos o povo mais feliz do mundo, na internet não seria diferente.” Criada em 2010, no Twitter, a personagem ganhou espaço em outras redes sociais, como Facebook e Instagram, e recentemente, foi a causa da volta da presidente ao Twitter.
Em suas postagens, acompanhadas por 750 mil pessoas no Facebook e 170 mil no Twitter, Monteiro encarna a presidente em viagens e festas de aniversários. “Ela fala sobre o Atlético Mineiro ou The Voice. É uma pessoa comum e isso facilita a identificação. Para mim, a questão política está presente, mas a Dilma Bolada é uma página de variedades”, resume.
Para Jeferson Monteiro, a internet brasileira “ainda está engatinhando”, assim como um dia aconteceu com a TV. “Muitos sucessos do humor brasileiro são inspirados em canais estrangeiros ou copiam referências locais. Nós somos muito mais que isso. Estou ansioso pelo que virá, com um público cada vez mais exigente e crítico”, explica.
As cópias, entretanto, não incomodam o estudante Victor Monteiro, autor da página Este É Alguém, criada no Facebook em outubro e hoje com 1,5 milhão de “curtidas”. Destinada a falar sobre “os hábitos clichês da internet”, como o próprio estudante diz, a publicação tem mais de cem versões voltadas para temas específicos, como universidades, profissões ou lugares. “Acho muito interessante porque a linguagem da página é a mesma, mas abrange outros universos”, conta.
Papel político
Questionado sobre a existência de patrulha ou censura aos vídeos que produz no Porta dos Fundos, Gregório Duvivier acredita existir “a necessidade de um cuidado cada vez maior ao se falar de minorias, o que é um bom sinal, porque faz parte do processo civilizatório do humor perceber sua função política”.
É o que pensa o publicitário Marcelo Cidral, dono dotumblr Como Eu Me Sinto Quando. “Antes, havia muito conteúdo escrachado, baseado em estereótipos, mas de uns tempos para cá a galera começou a mudar de cabeça”, diz ele, que acredita que as redes sociais estão mudando a forma de o humor ser feito e compreendido no país. Apesar do sucesso de audiência, Cidral acredita que o riso nacional precisa evoluir para atingir também a audiência britânica e americana.
Para o responsável pela Dilma Bolada, a solução é alargar os horizontes. “É preciso sair dos ‘favoritos’ e encontrar mais opções, novos modelos, algo que pode acontecer em todos os dias. Os americanos, em matéria de audiência e variedade, estão anos-luz na nossa frente, mas fazemos coisas que eles nunca conseguiriam”, diz.
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Bruno Capelas, do Estado de S.Paulo