A frase “o brasileiro é o povo mais social do mundo” já virou um clichê de executivos de internet. O país figura hoje entre as três principais nações em número de usuários nas estatísticas de redes sociais de todo o mundo. Segundo uma pesquisa realizada pela Nielsen, os brasileiros são os que mais usam mídias sociais no mundo, superando países mais populosos como Estados Unidos, Índia e China. São 27 horas online por mês – 36% desse tempo nas redes sociais. Além disso, 75% da população nacional acredita que a principal função do smartphone é acessar as redes.
A jamaicana Alessandra Chong sentiu na pele esse “efeito Brasil” quando veio ao país no mês passado lançar o aplicativo Lulu, que permite às usuárias avaliar anonimamente os homens. Durante duas semanas, o Lulu dominou a atenção da imprensa e chegou a 5 milhões de visitas, tornando-se o app mais baixado da loja da Apple. Em meio a uma enxurrada de críticas, o Ministério Público chegou a instaurar inquérito contra a empresa. O que explica esse fenômeno? “Vocês são loucos por redes sociais e as mulheres gostam de coisas novas. Além disso, vocês têm uma vida noturna e de relacionamentos muito ativa”, concluiu a diretora global de marketing do Lulu Deborah Singer, em entrevista ao Estado na época.
Em 2013, alguns dos principais executivos de redes sociais vieram ao país para tentar entender o comportamento do usuário local e buscar oportunidades. Às vésperas do Natal, a americana Bailey Richardson, gerente global de comunidades do Instagram, esteve no país para estudar os hábitos locais de compartilhamento de fotos. Ela percebeu que, ao contrário dos estrangeiros, os brasileiros pouco se preocupam em bloquear suas contas no Instagram, deixando as fotos acessíveis a todos.
Entre os fenômenos que intrigaram Bailey estava a hashtag#passinho que reúne vídeos e imagens de usuários executando a dança que virou febre no Rio de Janeiro. Ao lado dos protestos de junho, fenômenos como esse convenceram a empresa a investir na sua segunda contratação internacional e selecionar um brasileiro para trabalhar com as comunidades brasileiras de usuários do Instagram. Até então, a companhia tinha apenas um funcionário fora da Califórnia, baseado em Londres. “A revolução dos smartphones é muito rápida e há muitas histórias a serem contadas no país”, diz Bailey.
Um relatório da comScore divulgado este ano mostrou que os sites de mídia social se tornaram a categoria líder em termos de tempo gasto online pelos internautas do Brasil em junho de 2012, superando portais e “serviços” locais, que incluem sites de e-mail.
“O brasileiro gosta de estar inserido em grupos e participar de experiências interativas”, diz o diretor-geral do Facebook Brasil, Leonardo Tristão. O brasileiro gasta um média de 12 horas mensais na rede social mais popular do mundo, quase o dobro da média global, que é de 7 horas. O número de amigos também é mais alto. Um relatório de 2012 da TNS concluiu que os brasileiros agora têm o maior número de “amigos” online do mundo. O brasileiro típico tem 231 amigos em redes sociais, enquanto os latino-americanos têm uma média de 176. A média global é de 120.
Rolezinho
Famílias inteiras e suas diferentes gerações já dividem espaço nas redes. E alguns públicos estão descobrindo agora o mundo das redes sociais. Um estudo recente identificou que nove entre dez moradores de favelas cariocas, com menos de 30 anos, acessam a internet.
Em São Paulo, jovens da periferia têm organizado encontros em shoppings da cidade – chamados “rolezinhos” – por meio das redes sociais. Os eventos criados no Facebook com esse propósito chegam a juntar milhares de participantes. “Quando falamos que o brasileiro é mais sociável, temos que pensar em conectividade e inclusão. Com a democratização do acesso, estamos em um mundo onde a lógica é: estou conectado, logo existo”, diz Fábio Coelho, presidente do Google no Brasil.
O bailarino André Liberato há tempos aboliu o ócio da sua rotina. Com pouco mais de mil amigos no Facebook, ele acessa suas redes sociais favoritas assim que acorda. Depois, usa os pequenos intervalos entre uma tarefa e outra para conferir as atualizações e interagir com os amigos no Facebook, Instagram e WhatsApp, ao longo do dia.”Aceito quem não conheço direito, mas já vi, porque se uma dessas pessoas mora em Berlim, vai postar fotos e coisas interessantes que eu quero ver. Meu Instagram também é aberto para quem quiser ver”, diz.
A psicóloga Rosa Maria Farah, coordenadora do núcleo de pesquisas da psicologia em informática na PUC-SP diz haver até uma certa ingenuidade no comportamento do brasileiro. “É como se o ambiente virtual fosse uma extensão da sala de suas casas, o que gera situações de exposição indevida”, diz.
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Exposição pode resultar em ‘cyberbullying’
A infografista Fabiane Lima, de 26 anos, sabe bem qual pode ser o preço de expressar uma opinião nas redes sociais. Há um mês ela decidiu usar o Twitter para declarar sua perplexidade diante de algumas informações que, para ela, mostravam a disparidade entre homens mulheres. “Homens, essa raça que tem a maioria dos cargos de chefia e os maiores salários, mesmo com até três anos de escolaridade, segundo o IBGE”, foi um dos posts publicados por ela.
Quando acordou no dia seguinte, Fabiane já figurava na lista de assuntos mais comentados do dia, no Twitter. Um usuário não gostou de suas postagens e espalhou as mensagens de Fabiane para usuários populares na rede. A vida de Fabiane foi vasculhada. Dados pessoais como endereço e telefone foram compartilhados pelo Twitter. “Minha timeline foi inundada por chistes machistas e ameaças de estupro”, diz Fabiane. A popularização das redes sociais e o aumento da exposição dos usuários colocou o cyberbullyng em evidência no Brasil. Além das agressões e ofensas, sobram casos de mulheres com fotos ou vídeos expostos nas redes. As estudantes Giana Laura, de 16 anos, e Júlia Rebeca, de 17 anos, do Rio Grande do Sul e do Piauí, respectivamente, se mataram após descobrirem que imagens íntimas compartilhadas com alguém foram espalhadas na rede por meio do WhatsApp. Compartilhar esse tipo de conteúdo é cada vez mais comum. Uma pesquisa da consultoria de tecnologia eCGlobal Solutions, com quase 2 mil brasileiros de mais de 18 anos, revela que 32% dos homens já enviaram fotos em que aparecem nus e 17% já mandaram vídeos. Entre as mulheres, 29% já postaram imagens em que aparecem sem roupa, e 9% vídeos.
“É comum quem sofre o bullying ter dificuldade de procurar ajuda em um serviço presencial. É mais fácil fazer isso online”, diz a psicóloga Rosa Maria Farah, coordenadora do núcleo de pesquisas da psicologia em informática na PUC-SP, que tem um canal online de atendimento ao público. Há pelo menos quatro projetos na Câmara dos Deputados que tentam facilitar a punição dos agressores. Ainda não há previsão de quando serão votados. Redes sociais como o Facebook tentam promover campanhas educativas.
Entre quem já sofreu cyberbullying, as marcas ficam. A jornalista Paula Bastos criou há quatro anos o blog Grandes Mulheres como forma de aprender a aceitar seu próprio corpo, publicando dicas de moda e beleza para o universo plus size. Logo começou a receber comentários ofensivos sobre sua aparência. “Lido melhor com isso hoje, mas ainda dói.”
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Ligia Aguilhar, do Estado de S.Paulo