Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O passado do futuro

Onde fica o futuro? Atrás da esquina, naquela mancha de óleo em que vamos tropeçar, cair no chão e quebrar a perna? Na estação espacial que gira incansavelmente em torno da Terra, e que cada vez nos parece mais chinfrim e antiga? No elevador, onde vamos esbarrar com o amor para sempre? No Akademik Shokalskiy, que está preso no gelo? Nas feiras de tecnologia? Nos livros do Isaac Asimov? No relógio parado da cozinha que mostra a mesma hora?

(Já tentei consertá-lo algumas vezes, e nada. Ele funciona um pouco e pifa novamente. Como é muito bonito, não tenho coragem de pô-lo no lixo, que é para onde deveria ir se eu fosse mais prática e menos emotiva. Não sei se está atrasado ou adiantado. Não sei se ficou em 2010 ou em 2011, ou se – sem que ninguém à sua volta tenha se dado conta – já foi para 2020 e lá nos espera, imóvel, às seis e quinze da tarde.)

Se Isaac Asimov fosse vivo, eu apostaria todas as minhas fichas nele. Há cinquenta anos – meio século! – ele escreveu sobre o futuro para o “New York Times” com uma impressionante margem de acerto. No artigo, chamado “Visita à Feira Mundial de 2014”, e relembrado esta semana pelo Huffington Post, ele fazia algumas previsões muito interessantes. Eu já existia naquela época, e posso garantir que essas não eram ideias correntes na época.

“Em 2014, painéis eletroluminescentes serão de uso comum.” Hein? “Painéis eletroluminescentes”? Esqueçam a definição, já que a tecnologia nem sempre usa para as novas invenções expressões cunhadas no passado. Pensem, em vez disso, em telas planas. Bingo! Estava certíssimo o nosso Asimov. Só à minha volta, neste momento, há cinco delas: duas nos smartphones, uma no tablet, uma na TV e outra no computador. Isso num home office que nem ao menos é o que há de mais sofisticado.

“Aparelhos continuarão a liberar a humanidade de tarefas tediosas”. Com certeza. Acabei de tomar um espresso, que preparei pondo uma cápsula numa máquina. Se tivesse que fazer café à antiga, teria perdido um tempo considerável.

Palavra gloriosa

“As comunicações terão som e imagem, e você não só ouvirá, como verá a pessoa para a qual telefonou.” Na época em que Asimov pensou nisso, havia tempo de espera para interurbanos. A gente ligava para a telefonista e pedia a chamada, que era completada – mal! – muitas e muitas horas depois.

“A tela será usada não apenas para ver as pessoas que você chamou, mas para estudar documentos e fotos e ler trechos de livros.” Como ele teria gostado de ver um tablet, não?

“Os robôs não serão nem muito bons nem muito comuns em 2014, mas existirão”. Verdade. A falha não está na previsão, mas na concepção que temos do que é um robô. Para quem imagina um humanoide eletromecânico servindo uísque para as visitas, Asimov errou; mas aqui em casa mesmo, enquanto escrevo, há um aspirador de pó zanzando sozinho pelos cômodos.

“Paredes e tetos vão brilhar suavemente, e numa variedade de cores que mudarão ao toque de um botão.” O Huffington Post acha que Isaac Asimov errou essa previsão. Eu não acho. Paredes e tetos não precisam brilhar sozinhos, embora não faltem tecnologia e materiais para isso – vide qualquer festinha um pouco mais produzida. Aí estão os leds para quem quiser usá-los. Até o pobre do Cristo Redentor brilha, ainda que não suavemente, banhado em cores escolhidas a um toque de iPad.

Por outro lado, Asimov previa para nós uma vida mais fácil do que a que efetivamente temos: ele acreditava, por exemplo, que as cozinhas seriam capazes de preparar comida sozinhas, fritando e mexendo ovos, fazendo torradas e assim por diante. Ele também imaginava, naqueles idos de 1964, que estaríamos vivendo, hoje, numa sociedade de “lazer forçado”, e que a palavra mais gloriosa do dicionário seria a que define uma atividade em tese extinta: “trabalho”.

Tudo bem. Valeu a intenção. Afinal, ninguém é capaz de acertar tudo sempre, não é não?

Dito isso, vamos ao trabalho.

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Cora Rónai é colunista do Globo