Quando a bolha da internet estourou, em março de 2000, muita gente achou que a brincadeira tinha acabado. O ataque terrorista em 11 de setembro trouxe medo e insegurança ao mercado de tecnologia, que demorou até agosto de 2004, com a abertura de capital do Google, para exibir sinais de recuperação.
O romance Bleeding Edge, do escritor americano Thomas Pynchon, se passa em 2001, e mostra os efeitos do estouro da bolha no Silicon Alley, parte de Nova York que concentra empresas de tecnologia. A auditora Maxine Tornow investiga as contas da hashslingrz, empresa de internet que funciona como um braço do Departamento de Defesa americano, e que pode ou não estar envolvida no atentado. Em inglês, bleeding edge technology significa tecnologia de ponta. Mas obviamente a “borda sangrenta” do título não se refere somente a novidades tecnológicas. O livro foi publicado em setembro nos EUA, pouco depois das revelações feitas por Edward Snowden sobre o esquema de espionagem de seu país, e traz uma visão sombria sobre a natureza da internet.
Ernie, pai de Maxine, destaca, numa conversa com a filha, que a internet foi criada na Guerra Fria como uma forma de “garantir a sobrevivência do comando e controle dos EUA” depois de um eventual conflito nuclear com a URSS.
Versão criptografada e secreta do Second Life
“E não existe inocência”, explica Ernie. “Em lugar nenhum. Nunca houve. Ela foi concebida em pecado, o pior possível. Conforme continuou a crescer, nunca deixou de carregar no seu coração um desejo de morte, amargo e gelado, pelo planeta, e não pense que alguma coisa tenha mudado, garota.” E ele continua: “Chame de liberdade, mas a base é o controle. Todos conectados juntos, impossível que qualquer um se perca, nunca mais. Dê o próximo passo, conecte-a a esses telefones celulares, e você tem uma teia total de vigilância, inescapável.”
É uma visão que permeia a história. Eric Outfield, um programador, alerta Maxine: “Enquanto isso a hashslingrz e todos eles gritam cada vez mais alto sobre a ‘liberdade da internet’, ao mesmo tempo em que continuam a entregar uma parte cada vez maior dela para os caras maus.”
Antes de se tornar um escritor reconhecido, na década de 1960, Pynchon editou manuais técnicos para a Boeing. Não é nenhum tecnófobo ou desconhecedor do assunto. Um dos grandes temas do livro são as mudanças trazidas pela internet, e ele consegue recriar como ninguém o ambiente do mercado de tecnologia do começo do milênio. Parte da história se passa num ambiente virtual chamado DeepArcher (trocadilho com departure, partida). É uma versão criptografada e secreta do Second Life (lembra?), em que as pessoas são representadas por avatares num mundo tridimensional.
******
Renato Cruz é colunista do Estado de S.Paulo