Em 2011 o Google anunciou seu interesse pela Motorola Mobile. Em 2012 o negócio foi aprovado e realizado. Este ano o gigante das buscas concretizou a venda da mesma empresa para a chinesa Lenovo. A princípio ninguém percebeu por que o Google vendeu a Motorola Mobile por apenas “660 milhões de dólares em dinheiro, 750 milhões em ações, mais 1,5 bilhão em promissórias”. A forma de pagamento detalhada foi publicada pelo Financial Times (29/01). Mas foi difícil entender, nos primeiros momentos depois da confirmação da operação, a lógica empresarial por trás da venda do Google. Que pagou 12,5 bilhões de dólares pela Motorola em 2012.
Houve discordância sobre o valor da transação entre várias publicações, mas com relação aos preços e números eu fico com o tradicional jornal liberal inglês: o total, entre ações, dinheiro e pagamentos devidos foi de 2, 91 bilhões de dólares, com o Google a manter 5% de participação na “fabricante de hardware chinesa”, explicou o FT. A julgar pela quantia da venda, o Google fez um mau negócio. Mas não foi o que ocorreu na realidade.
O Google vendeu a Motorola por uma ninharia, dois anos depois de tê-la comprado, em maio de 2012. E cada publicação tinha uma explicação ou comentário a fazer sobre o aparente mau negócio do gigante das buscas e pesquisas. Mas a turma da “Fantástica Fábrica de Chocolate” é muito boa em transações comerciais estratégicas. Larry Page revelou-se um empresário astuto sem perder o compromisso com a inovação (A Fantástica Fábrica de Chocolate é um filme, e o apelido do Google na web. Que cabe como uma luva na empresa e sua sede muito original).
Porta de expansão
O Financial Times explicou que a Motorola Mobile deu grande prejuízo ao Google. Que perdeu 645 milhões de dólares nos nove primeiros meses de 2013, e acabou com a expectativa da volta à produção em grande escala de smartphones totalmente produzidos nos Estados Unidos. Ano passado, a companhia fundada por Brin e Page abriu uma fábrica no Texas para produção de seus celulares inteligentes. O que foi uma novidade, já que estes produtos, em geral, são fabricados na China por companhias subcontratadas como a Foxconn.
O gigante das buscas na web saiu do negócio de smartphones para proteger o uso do Android por outros fabricantes que usam seu sistema operacional e não gostaram da concorrência com o Google no mercado, explicou o Financial Times. As 17 mil patentes da Motorola Mobile foram o fator principal de atração para a compra da empresa em 2012, segundo o tradicional diário inglês. Mas a custosa e complicada produção industrial de hardware para a nova telefonia celular não compensou as vantagens que vieram com a aquisição das patentes.
A revista Exame (30/01) apresentou uma boa reportagem, com apenas uma ou duas ressalvas. A reportagem ressaltou a saída do Google da produção de smartphones e consolidou seus compromissos com os programas e serviços em sua estratégia global de investimentos. Em outras palavras, a “Fantástica Fábrica de Chocolate” consegue seus lucros com serviços ao cliente e software, e pretende continuar assim. A Exame também comentou os planos de expansão da Lenovo, hoje a líder mundial na produção de PCs, e o significado e a repercussão do negócio no Brasil:
“Para a Lenovo, a compra da Motorola abre uma porta de expansão mundial e possível liderança em smartphones, um setor que a companhia domina há anos. Comprar uma empresa forte em um setor e dominar o segmento em que ela atua não é novidade para a Lenovo. A companhia é hoje líder em vendas de computadores e notebooks no mundo, passo impulsionado pela compra da divisão de PC’s da IBM, em 2005.
Por aqui, a Lenovo manterá as marcas Lenovo e Motorola juntas e a marca CCE deve seguir como a de produtos de baixo custo, de acordo com Yang Yuanqing, executivo-chefe da Lenovo.”
Grande negócio
“Resta saber quanto essa mudança, a longo prazo deve alterar os planos da companhia para o Brasil”, comentou a repórter Tatiana Vaz. Que atualizou o valor do prejuízo causado pela Motorola Mobile no ano passado: 928 milhões de dólares. O Financial Times só contabilizou os primeiros nove meses do ano em sua conta, e não o total anual. E a Exame não esclareceu com precisão a situação das patentes na negociação.
A revista virtual Quartz (29/01) – do grupo “Atlantic Media”, informou que as patentes da Motorola foram usadas para evitar litígios com a Microsoft e a Apple, e que a empresa foi comprada para “servir de contrapeso” à Samsung, a vendedora da maioria dos smartphones que usam Android. A publicação informou que o Google vai continuar a deter os direitos de patentes adquiridas em 2011 e licenciá-las para a Lenovo.
A reportagem mais completa veio do site de tecnologia The Verge (29/01). A excelente publicação online criada em parceria com a Vox Media informou que “o Google vai reter a propriedade de vasta maioria das patentes da Motorola, enquanto duas mil patentes e a licença para as restantes ficarão com a Lenovo”. Uma observação mais acurada e detalhada que a explicação da Quartz. The Verge apresentou a melhor e mais minuciosa reportagem sobre a venda da Motorola Mobile entre as publicações que eu tive acesso. Na verdade, foi um grande negócio para a firma de Sergey Brin e Larry Page: eles continuam proprietários de boa parte das antigas patentes da Motorola e vão receber aluguel da Lenovo e outras firmas por seu uso. Golpe de mestre.
Consumidor sai ganhando
A empresa chinesa também foi bastante beneficiada (um bom negócio que beneficia todos os agentes envolvidos é um acontecimento muito raro no capitalismo atual). A Lenovo é uma firma que precisa estabelecer-se como marca. O diário de Hong Kong South China Morning Post informou (10/01) que a companhia lidera as vendas mundiais de PC’s, e sua participação do mercado de smartphones aumenta a cada ano. O site EECatalog (da “Extension Media”) publicou (28/11/2012) uma tabela onde a companhia chinesa apresentou crescimento de 383% no biênio 2011-2012. Segundo a mesma classificação, a Apple cresceu 43%, e a Samsung 29%, no mesmo período.
A Lenovo é a campeã em encontrar nichos de mercado abandonados (como o dos PCs), e “levantá-los” com grandes lucros. Mas ainda não conseguiu consolidou seu nome como marca mundial. Fabricar smartphones pode representar uma grande oportunidade para ela, que detectou o vazio deixado pela saída do Google do negócio. A empresa chinesa comprou a divisão de PCs da IBM em 2005, controla a Medion na Alemanha desde 2011, a CCE do Brasil desde 2012 e a Motorola Móvel em 2014. Neste ano ela também anunciou a compra do negócio de servidores domésticos da IBM, informou a BBC News (23/01). A empresa chinesa promete um futuro grandioso.
Em 2012, a Lenovo era a 10ª fabricante mundial de celulares inteligentes. Em 2013, o blog Digits (14/11), do Wall Street Journal, publicou que o lucro da empresa cresceu 38% no último trimestre em relação ao mesmo período no ano anterior. Agora, com a compra da Motorola, a empresa tem tudo para beneficiar-se da disputa entre a Apple, o Google e a Samsung e consagrar-se como marca mundial. Tudo vai depender da qualidade de seus produtos.
Se ela conseguir ampliar ainda mais seu mercado na telefonia móvel com seus smartphones, a Samsung e a Apple vão ter finalmente concorrência à altura de seus lucros. O público consumidor sairá ganhando e vai saber agradecer.
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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor