Em consonância com a truculência mental (e física) dos tempos que correm, as polêmicas em torno do vídeo Dura, do site Porta dos Fundos, deixarão em segundo plano uma lição prática de comunicação interessantíssima. A primeira e mais relevante das polêmicas é a que opõe autoungidos defensores da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro aos autores do vídeo. Os queixosos comportam-se como inimigos da liberdade de expressão.
Fingem que não se trata de uma paródia – relativamente suave, eufemística, até – de comportamento frequente de soldados, suboficiais e oficiais em ação nos locais onde podem “esculachar” pobres (trabalhadores ou não, pouco importa; são todos cidadãos e, antes, seres humanos).
Ameaçar é crime
Esses internautas tornam-se criminosos ao fazer ameaças. Devem ser identificados e processados pelas autoridades. Enquanto não houver punição para esse tipo de arrogância delituosa (“Você não sabe o ódio que despertou em todos nós, policiais militares…”; “Não estamos incitando a violência, mas, bem que esse m… do Fabio Porchat deveria levar umas belas de umas porradas por esta humilhação que proferiu contra os policiais militares”; há ameaças piores), os servidores públicos encarregados de aplicar o castigo estarão concorrendo para fragilizar o regime democrático. E isso a Constituição de 1988 proíbe.
Se os ofendidos consideram o vídeo insultuoso, recorram à Justiça. O comportamento autoritário tem outras conotações: é uma das heranças mais conspícuas da ditadura, como o é o perdurar da militarização das PMs. Uma coisa não pode ser entendida sem se ter em mente a outra.
Coincidência
A segunda polêmica, com tudo para prosperar, é a de um possível plágio. Em 2006, um internauta chamado Márcio Menezes colocou no Youtube um vídeo, chamado O Troco, que contém o essencial do Dura.
Haverá quem pense que é plágio, quem tenha certeza disso, mas é implausível que a turma do Porta dos Fundos, obrigada pelo sucesso a se profissionalizar rápida e radicalmente, tivesse conhecimento do vídeo O Troco.
Não, o que rola aqui é outra coisa. Se todo mundo, teoricamente, é igual na internet, existem os “mais iguais”, como na Fazenda dos Animais, de George Orwell. Não devido à existência de uma “nomenclatura”, à la soviética ou cubana, mas em função de fenômenos ligados à visibilidade maior ou menor de que se dispõe na rede.
“Posto”, logo existo?
Uma pesquisa universitária não teria feito melhor para comprovar que não basta “postar” para existir. A vida o fez. Um vídeo de 2006, com teor de crítica e indignação tão duro quanto o publicado agora, permaneceu pouco visível durante oito anos.
Mesmo depois de descoberta a coincidência, o número de interessados em O Troco (90 mil) é 43 vezes menor do que o de visitantes de Dura (4,08 milhões em 9/2). Segundo o site G1, até a publicação do segundo, o primeiro “registrava apenas comentários feitos há pelo menos dois anos. Mas, então, passaram a aparecer mensagens que apontavam a suposta coincidência…”.
Essa matéria foi publicada no G1 no dia 5/2, quando O Troco tinha 49 mil visualizações e Dura tinha 2,4 milhões. Em quatro dias, O Troco recebeu mais 41 mil visitas e Dura, mais 1,5 milhão.
“Todo mundo”, “qualquer um”, expressões frequentes na apologética da Web, precisam ser muito bem contextualizadas. O resto é louvação ingênua.
Lembra aquela piada do garotinho que ouviu dizer que “dinheiro chama dinheiro” e colocou sua única moedinha na boca do cofrinho. Esperou, esperou, e, de repente, largou a moeda. Foi chorando contar para o pai, que lhe disse: “Filho, você não entendeu. Muito dinheiro chama pouco dinheiro, nunca o contrário”.
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