Por ter o monopólio das buscas na internet no Brasil, o Google distorce a competição entre os sites de comparação de preços ao destacar o seu serviço nas consultas de consumidores online no país. A afirmação é do presidente do Buscapé América Latina, novo braço de negócios do Buscapé Company. Rodrigo Borer assumiu o comando dos negócios de comparação de preços em mais de 20 países do grupo de mídia sul-africano Naspers em janeiro. Em outubro do ano passado, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu investigação contra o Google como resultado de uma ação do Buscapé.
O que muda aos usuários do Buscapé com a reorganização?
Rodrigo Borer – Com a compra do Buscapé pela Naspers, em 2009, deixamos de estar nas mãos de um fundo de private equity (Great Hill Partners) e passamos a integrar uma empresa de mídia global. Deixamos então de ser tratados como investimento e isso faz uma grande diferença: você passa a planejar seus investimentos. Agora, a Naspers escolheu o Buscapé para ser a holding à frente de todos os seus sites de comparação, na Europa e África, além de toda a América Latina. E já começamos a avaliar como um pode ajudar o outro a se preparar melhor para as oportunidades em seus mercados. O Romero (Rodrigues, fundador do Buscapé, que hoje dirige a operação global de comparação para a Naspers) já foi a todos os países e estamos desenvolvendo um plano estratégico. Não temos a intenção de operar isso de forma centralizada. A ideia é cada um continuar no seu mercado local, alguns em estágio mais avançado no comércio eletrônico, como a Itália e a Espanha, compartilhando experiências, profissionais e tecnologias.
Qual é o estágio atual do e-commerce no Brasil?
R.B. –O Brasil é um mercado adolescente, que cresce muito rápido, mas é desengonçado e ainda não é muito bem estruturado. E, de vez em quando, tropeça e cai. Recentemente, por exemplo, empresas que começaram a crescer muito rápido levaram tombos por falta de maturidade ou de conhecimento, como o Comprafacil.com, e mesmo o Carrefour, que agora está se levantando de novo. Como um adolescente, não sabemos ainda o que vamos ser quando crescermos, tem muita experimentação, muita tentativa e erro. Não somos um mercado em que todos os players já estão definidos, a dinâmica do mercado está estabelecida, e todo mundo sabe como ele opera, como são os mercados americano e europeu. Lá o e-commerce responde por 8% a 15% de todo o varejo. Aqui, as operações demandam altas taxas de investimentos e muitas são deficitárias. O mercado ainda não tem volume para ser lucrativo. Quando atingirmos a maturidade, e isso vai acontecer, o comércio na internet será um gerador de riqueza para o varejo.
Problemas como os da Black Friday em 2012 não atrapalham esse processo de amadurecimento?
R.B. –A Black Friday de 2012 foi boa e ruim. Boa porque consolidou uma data, e o consumidor, apesar de em muitos casos não ter tido experiências fantásticas, percebeu que tinha oportunidade de um ganho real e de comprar mais barato. Só que o varejo não se preparou adequadamente, nem nós no Buscapé, para o volume que aquilo ia gerar. Mas deu para perceber que tinha algo para acontecer. Tanto que no ano passado, desde janeiro, o setor começou a se preparar para a Black Friday, para ter oferta, estoque, logística, entrega no prazo. Do nosso lado, nos preparamos para comunicar de maneira correta. E criticar ofertas irreais, descontos depois de aumentos de preços. Fizemos um acordo com os grandes varejistas para comparar as ofertas da Black Friday a nosso histórico de preços (desde 1999). Então, a reação do consumidor foi outra e as vendas chegaram a R$ 770 milhões, 21,7% mais que em 2012.
A frustração de 2012 foi superada?
R.B. –O consumidor superou e o varejo aprendeu a operar essa data específica, de promoções com grande concentração de vendas num espaço muito curto. E, proporcionalmente ao volume de transações, as reclamações foram muito menores. Outra diferença em 2013 foi a adesão do varejo físico, com cartazes em porta de loja, anúncios em jornais e TV, o que motivou o consumidor.
O Google foi alvo de ações recentes nos Estados Unidos e na Europa. Como é a concorrência aqui?
R.B. –Quando eles anunciaram que iam lançar o serviço de comparação Google Shopping aqui, nós começamos a monitorar os resultados de busca no Google para diferentes produtos. E sempre aparecia na frente os serviços deles. Nós não temos problema em ter o Google como competidor, só que ele está beneficiando um produto dele e causando uma distorção na livre concorrência. O Google tem o monopólio das buscas na internet no Brasil — 95% das buscas aqui são pelo Google. Tendo poder de monopólio, não pode promover seus produtos em detrimento dos outros, isso cria uma distorção. Em dezembro de 2011 fizemos nossa primeira representação ao Cade. Nesse meio tempo, o Google passou a ser investigado pelo Federal Trade Comission (FTC), nos Estados Unidos, exatamente pela mesma coisa, e na Europa também. O processo no FTC começou e terminou com um “tapinha no punho do Google”. Só que lá eles não têm 95% das buscas, lá o Bing (da Microsoft) é relevante, com cerca de 20% a 25%. Então o consumidor americano tem alguma escolha. Os consumidores brasileiro e europeu não têm. O que foi negociado agora na Europa vai valer somente lá, e o Cade vai ter que forçar medidas que, se não corrigirem 100%, ao menos minimizam o impacto dessa discriminação. É o que pedimos.
Este ano tem Copa do Mundo aqui. É bom para o e-commerce?
R.B. –Nossa projeção é que o faturamento vá crescer uns 20%, menos que os 28% de 2013, quando o faturamento chegou a R$ 28,8 bilhões. Este é um ano muito diferente. A Copa em si não atrapalha. Mas o carnaval é muito tarde. Logo em seguida vem a Copa, e depois há eleição. Quando ela acabar, estaremos praticamente perto do Natal.
Como o crescimento dos dispositivos móveis acaba impactando o e-commerce?
R.B. –É uma revolução. Para nós, dispor a informação para a comparação de preços no teu bolso o tempo inteiro, não só quando se está na frente do computador, é muito útil. Porque o usuário pode usar a ferramente tanto quando passa na frente de uma loja, mas também do sofá de casa, vendo televisão. Sabendo que a plataforma móvel é um caminho de crescimento importante, continuamos investindo em inovar nessa plataforma com nossos serviços, ajudando o consumidor a fazer a melhor escolha de compra e comprar, e ajudando o varejo a vender mais.
******
Ronaldo D’Ercole, do Globo