Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Facebookdocídio

Lá, tem de tudo. Gente bonita, sucesso, ego, fanfarrões, festa, preconceito, corpos, ostentação, desinformação e, às vezes, informação, ideias. Para nossa alegria estão por lá também o avô, a avó, a vizinha, o tio, o primo, a prima, o pai, a mãe, o amigo distante, o desconhecido e aquela amiga bonita que compartilha fotografias sensuais. O que entristece nesta babilônia é ver o preconceito ganhar força. Há coisas boas no Facebook, mas infelizmente perdem o jogo. O preconceito se apresenta de forma engraçada, ganha notoriedade, curtições e compartilhamentos. Um dos campeões é o de classe social.

Pesquisas, informações, utilidades públicas e curiosidades ficam geralmente em segundo, terceiro ou quarto plano. Talvez por este comportamento de parte dos usuários, muitas pessoas conscientes irão cometer o Facebookdocídio nos próximos meses, anos. Os botões de denunciar o preconceito no Facebook são insuficientes. Os mecanismos de rastreamento baseados em algoritmos são incapazes de interpretar o sentimento que milhares de mensagens preconceituosas causam nos receptores das mensagens. O sucesso da rede social que abraçou o mundo pode ser o seu próprio fracasso.

Os mesmos que destilam o ódio aos usuários menos abastados financeiramente compartilham mensagens de escritores que nunca leram. E pra variar, mensagens carregadas de preconceitos. Há poucos dias, um contato, compartilhou a seguinte mensagem no Facebook: “Bolsa família é coisa de vagabundo, este povo tinha que morrer.” E para tristeza do bom senso, havia abaixo do comentário, dezenas de risos, gargalhadas, curtições. Apoiavam o preconceito estudantes, jovens, adultos, idosos e políticos.

Preconceituosos  no ciberespaço

Começa o dia e lá vêm às mensagens de lição, orientação, guia e oração. Durante uma semana pesquisei no mesmo horário, das 6 às 7 horas da manhã, as mensagens que apareciam na timeline relacionadas com escritores, artistas etc. Os autores mais citados na pesquisa, que não teve caráter científico, apenas uma amostragem, foram: Clarice Lispector, Caio Fernando de Abreu, Arnaldo Jabor, Pedro Bial, Vargas Llosa, Cazuza, Bill Gates e Steve Jobs.

Pérolas da desinformação. Frases de imaginário popular são trocadas de origem no Facebook. O famoso bordão “Deus ajuda quem cedo madruga” ganhou as páginas da bíblia, em Coríntios 13:4-7. Novamente o Bolsa Família ganhou destaque, desta vez, no livro A Cabeça de Steve Jobs: “O Brasil é o pobre por que tem Bolsa Familia. Acabe com esse programa que o problema está resolvido”. E a máxima: “Mais vale um passarinho na mão do que dois voando”, segundo o povo do Facebook, foi escrita por Caio Fernando de Abreu, em sua obra Morangos Mofados.

Depois do abre alas, da mensagem de bom-dia e da desinformação, é hora de fazer graça. De preferência quanto mais pobre for o personagem da narrativa, melhor. Uma das mensagens que captei foi a de duas jovens que postaram uma imagem. “Prontas para o carnaval”. Para ódio dos sabichões literários, as jovens que postaram uma imagem do carnaval se exibiam numa piscina improvisada com uma caixa d’água. Para nossa tristeza, os literatos da manhã pediam a retirada da foto do Facebook. “Ninguém merece. Feias, gordas e sujas, quem vai querer? Realmente orkutizaram o Facebook”.

Enquanto tiver gente para aplaudir, sorrir, curtir e compartilhar o preconceito, os preconceituosos vão ocupando o ciberespaço.

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Wemerson Augusto é jornalista