Foi encerrado no último dia 8 de março o prazo para contribuições das propostas para o NetMundial, Reunião Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, evento organizado pelo governo brasileiro e pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) que acontecerá nos dias 23 e 24 de abril em São Paulo. Entre as contribuições de empresas privadas de tecnologia, chama a atenção a uniformidade de discursos ao sugerir participação mais isonômica entre todos os setores, incluindo eles mesmos.
Talvez a companhia mais contundente nas críticas ao evento e às propostas brasileiras tenha sido a fabricante de chipsets Intel. A empresa incluiu duras ressalvas à duração do evento, pedindo que haja foco dos participantes em assuntos de importância. Isso justifica, na visão da fabricante, deixar o debate sobre organizações específicas para outro momento. “Acreditamos que seria contraprodutivo para este encontro prescrever mudanças específicas no ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, empresa privada norte-americana responsável por alocar e gerenciar endereços de Internet) e em qualquer organização individual”. Além disso, a Intel diz que falta transparência na organização do encontro, indagando como serão feitas as participações e como documentos serão aprovados.
A companhia diz ainda que uma abordagem multissetorial não pode ser substituída por novas ou existentes entidades intergovernamentais. A Intel cita a proposta da Alemanha, que pede para que não haja imposição de localização de dados, alegando consequências negativas para todas as partes. O texto não cita diretamente o Brasil, mas fica claro que se refere a um dos pontos mais discutidos do Marco Civil da Internet: a guarda de dados em território nacional. “Acreditamos que segurança de dados não é uma questão de localização, mas de tecnologias padronizadas e harmonizadas, políticas e práticas que permitam interoperabilidade e envolvem todos os setores desenvolvendo abordagens flexíveis e mecanismos para melhorar a cibersegurança”, diz o texto, para, logo depois, anunciar “forte apoio” à construção de um cabo submarino ligando a Europa à América do Sul, como no projeto atual da Telebras que deverá começar a ser construído ainda este ano, com previsão de início de operações em 2016.
A companhia menciona também a necessidade de “fechar o dividendo digital, incluindo em assuntos como a acessibilidade econômica da Internet, e para garantir que os benefícios das novas tecnologias (…) estejam disponíveis para todos”. Trocando em miúdos, a proposta da Intel é que não haja danos à natureza aberta e inovadora da Internet como é atualmente. “A evolução do ecossistema de governança de Internet deve ser endógena, ou seja, informada por fóruns externos, mas não ditada por eles”.
Universalização
“Reconhecemos o valor existente da Internet e seu futuro potencial se baseia em sua natureza aberta e desfragmentada, e acreditamos que preservar esse ambiente aberto deveria ser a fundação para a governança de Internet”, afirma o gerente de políticas e privacidade do Facebook, Richard Allan, no texto da proposta da empresa.
O discurso da rede social lembra que, atualmente no mundo, uma em cada três pessoas tem acesso à Internet. Dessa forma, ele cita a meta pública da empresa de promover a conexão a mais cinco bilhões de pessoas no mundo que não tem acesso à Internet, estratégia divulgada por Mark Zuckerberg em agosto de 2013 em conjunto com outras empresas de Internet. Como justificativa, Allan cita um estudo da Deloitte que diz que o aumento de acesso em países em desenvolvimento poderia gerar mais de US$ 2,2 trilhões em PIB, criar mais de 140 milhões de trabalhos, tirar 160 milhões de pessoas da linha da pobreza, reduzir a mortalidade infantil em 7% e dar a 640 milhões de crianças o acesso a ferramentas e recursos.
“Já que a Internet pode atuar em um papel tão crítico ao bem-estar social e econômico das pessoas, stakeholders em todos os países deveriam poder confiar e participar igualmente nas estruturas de governança de Internet”. A empresa sugere reforçar a transparência e responsabilidade dos atuais corpos de governança; encorajar a capacidade de construção para que comunidades relevantes em todos os países possam se engajar; e dar os passos para alcançar os setores não-representados para garantir que todos os setores estejam à mesa.
“Devemos continuar compromissados com uma Internet gratuita e aberta que conecta bilhões de pessoas de maneira acessível e sem impedimentos por fronteiras nacionais ou outras barreiras artificiais”, declara a proposta do Facebook.
White Spaces
A proposta do Google foi atribuída ao diretor global de liberdade de expressão e relações internacionais, Ross LaJeunesse. Para a empresa, as políticas deveriam garantir uma Internet segura, aberta, interoperável e resiliente. Deveria também “dar apoio à abertura de mercados internacionais de maneira que permita o fluxo contínuo de serviços digitais, aplicações, produtos e informação, particularmente através de fronteiras nacionais”. Assim como nas propostas dos governos norte-americano e alemão, o Google diz que as políticas deveriam reconhecer os direitos humanos online da mesma forma como já são offline.
Em linha com o que também propôs o Facebook, a proposta do Google diz que o acesso à Internet deveria ser universalizado e que todos os stakeholders deveriam ser incluídos nas discussões de governança.
A empresa também faz uma ressalva à organização do NetMundial ao dizer que o evento não deveria medir seu sucesso ou fracasso com acordo (ou falta dele) em um pacote de princípios novos e universais. “De fato, talvez nunca haja um ‘momento constitucional’ para a Internet, mas nosso objetivo deveria garantir o alinhamento de princípios entre todos os setores”. A companhia declara que o Fórum de Governança da Internet (IGF), da Nações Unidas, é a entidade ideal para debater as políticas da rede, já que seria o único fórum que reúne todos os stakeholders, mas que tem problemas. “O IGF está em um estado crítico: está desesperadamente precisando de financiamento substancial para continuar operando, e isso poderia ser fortalecido ao melhorar a transparência em relação a suas operações e abranger seus esforços para alcançar novos setores”.
A proposta do Google também é de aproveitar estruturas existentes (como o próprio IGF ou ICANN), mas criando uma abordagem com desenvolvimento de um roadmap baseado na arquitetura técnica da Internet, com camadas separadas para aspectos técnicos e sociais. “Todo o ecossistema de Internet provavelmente irá se beneficiar de um mapeamento de instituições de governança de rede existentes e clarificar seus papéis como administradores de práticas de governança e de políticas.”
O Google advoga pelo uso de tecnologias alternativas para o acesso universal, como o projeto Loon, que disponibiliza sinal wireless por meio de balões em altitude elevada, e com o uso de “white spaces”, ou seja, os canais não utilizados em espectros de radiodifusores para áreas carentes. “Desenvolvemos um banco de dados para fazer com que esse espectro seja disponibilizado para a transmissão da banda larga”, garante LaJeunesse.
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Bruno do Amaral, do Tela Viva