O Facebook é um ambiente interessante: não passa um dia sem que eu leia frases que me fazem pensar, do tipo “educação é o que fica depois que você esquece o que aprendeu na escola”, ou “cultura é o que permanece quando você esquece tudo que leu”. De fato, quando enxergamos uma sociedade como culta ou educada, geralmente não estamos pensando no volume de livros lidos por cada cidadão, ou na proporção da população graduada no ensino superior, mas no resultado coletivo de um processo civilizatório que reforça e aprimora, a cada geração, uma base de valores e traços compartilhados. É esse processo, mais que o território ou a língua comum, que define a identidade de um francês, de um inglês ou de um alemão, para si mesmo e para o outro, não importa a classe social à qual pertença. As divergências só começam a partir dos princípios básicos convergentes, dentro de cada nação.
E no Brasil? Aqui não é bem assim. Está cada vez mais difícil encontrar consenso sobre as questões mais comezinhas. Outro dia a Cora Rónai, em viagem pelo Marrocos, postou a fotografia de duas jovens faceiras, de shortinho e microssaia numa rua de Marrakesh sob o olhar perplexo dos nativos, com a legenda “como não se vestir em um país muçulmano”. Seguiu-se uma polêmica com quase 300 intervenções exaltadas, cheias de acusações de preconceito e intolerância (o discurso da tolerância não tolera quem pensa de forma diferente de nós). Para mim, ficou claro o seguinte: se até uma regra elementar de convivência – devemos respeitar as regras do lugar onde estamos – é motivo para agressões, se nem sobre os rudimentos do certo e do errado concordamos, imaginem sobre questões mais complexas, que exigem premissas comuns para um debate consequente…
Crise e projeto
O Facebook ajuda a entender o Brasil. Vivemos em um ambiente no qual a reflexão ponderada e a estupidez se equivalem, onde prevalece não uma ética comum, que se perdeu, mas o alinhamento cego com a posição que parecer mais conveniente em determinada situação. Na ausência de valores compartilhados, qualquer sandice pode ser afirmada em público com arrogância e convicção: se for adequada, receberá adeptos entusiasmados, e ai de quem se manifestar discordando. Não há mais troca e convencimento, apenas confronto. Assim, por exemplo, a indignação diante de uma ditadura, de um caso de corrupção ou da perda brutal de uma vida humana será maior ou menor dependendo do país, do corrupto e do assassino em questão. Porque o que conta não é mais a busca da verdade ou da justiça, mas estar de determinado lado: é fazer parte do “nós”, que estamos sempre certos, ou do “eles”, que estão sempre errados (o “nós” e o “eles” variam conforme o ponto de vista).
Sem valores básicos comuns, sem uma ética dissociada de interesses políticos, sem noções compartilhadas de certo e errado, nenhuma sociedade pode prosperar. Outra frase que li esses dias na minha timeline é do antropólogo e educador Darcy Ribeiro: “A crise de educação no Brasil não é uma crise, é um projeto”. Pois bem, o Facebook está demonstrando que o projeto ao qual Darcy se referiu foi concluído com sucesso: depois de 50 anos, tomando o golpe militar como marco zero e após passarmos por governos democráticos variados, estamos preparados. Preparados para quê? Em breve saberemos.
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Luciano Trigo é jornalista e escritor