Olho as enormes estantes em volta de mim e penso na dureza deste momento de transição. Minha próxima casa talvez não tenha nem metade dessas prateleiras e desses livros. Temo sentir falta deles. Cresci numa casa com estantes generosas e muitas enciclopédias ilustradas para matar as tardes de tédio.
Minha filha adolescente cresce cercada de fios e aparelhos que apitam, imersa na rede. Pergunto a ela se pensa que a casa dela no futuro terá grandes estantes. Ela diz que não sabe, mas avisa que prefere livros em papel (“gosto de segurar”), ainda que invista muito tempo na comunicação eletrônica.
Talvez eu não devesse comparar essas coisas. A gente fica com medo da rua e tranca as crianças em casa, como se isso fosse saudável. Elas saem pelas janelas da internet.
Fiquei pensando que faço parte de uma geração de transição: nasci analógica, cresci elétrica e amadureci eletrônica. Mas isso é bobagem. Minha geração ensinou os pais a programar videocassete e a usar controle remoto antes de ensinar a usar o computador e o e-mail. E a geração dos meus pais deve ter ensinado a geração dos meus avós a fazer outras coisas. Pensando bem, todas as gerações são de transição.
Exceto a última, a derradeira, a que estiver por aqui quando o mundo acabar. Um dia, quando a humanidade acabar, esse mundo tecnológico não vai mais ter importância nenhuma. Tanto esforço para nada. Tanta informação para nada. Puf. Baubau. Acabou.
Taxa de fracasso
Tanto satélite, tanto Google e tanto Google Earth e a gente ainda perde esse tempo todo para tentar descobrir que fim levou o avião que saiu da Malásia com 239 pessoas em direção a Pequim e nunca chegou. Essa é a nossa pequenez. Esse é o vasto mundo. Mais vasto ainda o nosso coração.
Onde foram parar os discos em 78 rotações que herdei? E as fitas de rolo com as entrevistas que meu pai fazia com os filhos? Onde guardei o videoteipe do meu bebê? O que será de todas as músicas que baixei em tantos formatos e salvei em tantos aparelhos que já não existem mais? E as fotos, em tantos suportes e padrões? Para onde vão todas as fotos depois que o Facebook e o Instagram acabarem?
Abandonamos as indexações manuais e os arquivos de aço, com as suas infinitas gavetinhas, pelos arquivos eletrônicos e sua memória infinita, onde perdemos todas as coisas e encontramos outras por acaso. E agora voltamos a precisar de indexações manuais, tagueamentos, etiquetas e zooms para encontrar as milhares de coisas que acumulamos sem pensar, por preguiça ou por desleixo, porque custoso é selecionar.
Quando acabar a luz, a porta eletrônica pode não abrir. Mas alguém já pensou numa solução. Alguém já criou mais uma start-up. Alguém já lucrou com a venda. E três quartos dessas start-ups deixam investidores a ver navios, conforme pesquisa de Shinkhar Ghosh, conferencista sênior da escola de negócios da Universidade Harvard. Sem fracasso não há negócio.
Nos Estados Unidos, a taxa de fracasso das empresas é de 25% no primeiro ano de vida, 55% no quinto ano e 71% em dez anos, segundo o site Statistic Brain (statisticbrain.com). A principal razão do fracasso? Incompetência (46%). É essa a nossa inspiração.
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Marion Strecker é colunista da Folha de S.Paulo