A rede se chamava ZunZuneo, nome derivado do zumbido de uma espécie cubana de beija-flor chamada zunzun. De acordo a uma investigação publicada nesta quinta-feira pela agência de notícias Associated Press, essa rede social para mensagens de texto, que foi criada em 2009 e chegou a contar com 40.000 usuários em Cuba, foi secretamente concebida e financiada pelo governo dos Estados Unidos com a finalidade de provocar uma mudança na ilha por meio da circulação de conteúdos políticos que inspirassem uma “primavera cubana”. O projeto foi administrado pela Agência Internacional dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (Usaid, na sigla em inglês) através de companhias de fachada com contas bancárias nas Ilhas Cayman e de servidores informáticos localizados em três países. Washington nega que se tratasse de uma operação clandestina.
“O plano era desenvolver um ‘Twitter cubano’ elementar, que usasse mensagens de texto enviadas e recebidas por celulares para burlar o férreo controle informativo e as restrições ao uso da internet mantidos pelo governo de Cuba”, diz a reportagem da AP, citando documentos e numerosas entrevistas com pessoas que participaram do projeto, feitas pelos jornalistas Desmond Butler, Jack Gillum e Alberto Arce. No começo, a rede seria usada para circular “conteúdo não polêmico”, como notícias esportivas ou de entretenimento, mas, quando conseguisse reunir uma audiência de centenas de milhares de assinantes, diz a reportagem, “seriam enviadas mensagens de conteúdo político para inspirar os cubanos a criarem convocatórias em rede para concentrações de massas, que fossem convocadas rapidamente e pudessem desencadear uma ‘primavera cubana’, ou, como disse um documento da Usaid, uma ‘renegociação do equilibro de poder entre o Estado e a sociedade’”.
Em seu auge, a rede ZunZuneo reuniu um total de 40.000 assinantes, que trocavam notícias e opiniões, alheios ao fato de que a plataforma havia sido criada pelo governo dos Estados Unidos e permitia a coleta de informações privadas dos usuários, com fins políticos. “O projeto colheu informações demográficas de cubanos sem o seu consentimento e os colocou em potencial risco frente ao regime cubano e sua censura à internet”, afirma a reportagem da AP. Segundo essa investigação, as operações do ZunZuneo começaram em 2009, depois que a Usaid e uma subcontratada sua, a empresa Creative Associates, tiveram acesso a uma base de dados com meio milhão de telefones cubanos, graças a uma fonte vinculada à empresa telefônica estatal Cubacel.
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A Associated Press assegura que a Usaid fez de tudo para ocultar a participação do Governo nesse projeto, que custou “milhões de dólares”. Mas o governo dos Estados Unidos nega que se tratasse de uma operação secreta. “Sugerir que estes são programas clandestinos é simplesmente incorreto. O Congresso financia programas para a democracia em Cuba, para ajudar os cubanos a terem acesso a mais informações e para fortalecer a sociedade civil”, respondeu o Departamento de Estado em nota nesta quinta-feira. Um porta-voz da Usaid citado na reportagem, Matt Herrick, declarou também que a agência “está orgulhosa dos seus programas em Cuba”, e que investigadores do Congresso que revisaram o programa no ano passado determinaram que ele cumpria as leis norte-americanas. “A Usaid é uma agência que promove o desenvolvimento, não uma agência de inteligência, e trabalhamos em todo o mundo para ajudar as pessoas a poderem exercer seus direitos e suas liberdades fundamentais, dando-lhes acesso a ferramentas que melhorem sua vida e lhes permitam se conectar ao mundo exterior”, disse Herrick.
Entretanto, as informações às quais a AP teve acesso indicam que o projeto ZunZuneo gerou tensões no Congresso desde que foi implantado, em dezembro de 2009. O início do plano coincidiu com a detenção em Havana do empreiteiro norte-americano Alan Gross, que havia viajado repetidas vezes a Cuba, em outra missão secreta “para ampliar o acesso à internet mediante tecnologia que, em geral, só os governos usam”. Esse foi outro programa secreto da Usaid revelado pela AP em fevereiro de 2012.
A rede desapareceu em meados de 2012, após algumas tentativas do governo cubano de bloquear o serviço. Desde junho daquele ano, os usuários começaram a se queixar de que haviam deixado de receber mensagens nos seus celulares. Até a manhã desta quinta-feira, a única coisa que restava do ZunZuneo era uma página do Facebook com 200 seguidores, atualizada pela última vez em 8 de maio de 2012; umas horas depois, o número de seguidores aumentou para 323 e a página começou a se encher de mensagens a respeito dos planos velados dos Estados Unidos depois do “Twitter cubano”.
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Maye Primera, do El País