Após uma série de abalos, governos do mundo todo estão fechando o cerco à moeda virtual bitcoin, que já tem em circulação cerca de US$ 5 bilhões (são 12,6 milhões de unidades, com cotação em torno de US$ 350). Usuários têm feito aproximadamente 65 mil transações por dia, o que representa um giro de US$ 22,75 milhões. No Brasil, onde começam a surgir negócios para apoiar as transações – que atingiram R$ 11 milhões por mês em dezembro, quando a cotação estava no auge –, a expectativa é que surja algum tipo de regulação até meados do ano, já que o nicho deve ganhar força com a Copa do Mundo, com estrangeiros podendo gastar aqui créditos em bitcoin registrados lá fora.
Apontada como potencial causadora de uma bolha especulativa e instrumento para lavagem de dinheiro, a bitcoin foi vetada na Rússia e sofreu algumas restrições na China. Já o Reino Unido, pioneiro na regulamentação da novidade, zerou o imposto sobre valor agregado na troca por moedas de verdade, mas este continua incidindo na compra de bens ou serviços. Nos EUA, o Fisco determinou que a moeda virtual é um ativo, que deve ser declarado e está sujeito a imposto. Já o Tesouro determinou que as transações significativas em bitcoin têm de ser reportadas às autoridades, como moedas comuns.
O Brasil segue caminho semelhante. A Receita Federal estuda formas de aumentar a fiscalização por entender que a bitcoin é um ativo como qualquer outro e, portanto, ganhos com ela têm de ser taxados. Assim, os ganhos com a variação da cotação seriam tributáveis. Neste caso, o Leão só morderia 15% da parcela acima de R$ 35 mil. Não seria difícil averiguar os lucros dos cidadãos com a moeda virtual porque, em algum momento, ela é transformada em um ativo real, como um carro. “Só não dá para fiscalizar o lucro com atividades ilícitas, mas ninguém tributa o tráfico de drogas mesmo”, brinca uma fonte do Fisco, lembrando uma das principais críticas à bitcoin: seu uso por criminosos na venda de drogas e armas.
A moeda virtual também deveria ser declarada no Imposto de Renda, como ouro e dinheiro – se alguém guardar mais de mil reais em casa, tem de informar à Receita. Mas ainda não há lei para isso.
O economista Fernando Ulrich, autor de Bitcoin: a moeda na era digital, teme a forma como feita será a tributação sobre os ganhos: “O problema é como a regulação vira tributação. É temerário tentar cobrar imposto retroativo a ganhos desde o início da moeda, em 2009.”
“O risco é muito alto”
A perspectiva de tributação desanima, mas a regulação é esperada com ansiedade, pois há expectativa de que os negócios cresçam após o aval das autoridades. Sócio do Mercado Bitcoin, a mais antiga plataforma de negociação da moeda no Brasil (foi criada em 2011), Rodrigo Batista, de 33 anos, espera novas oportunidades: “Assim poderemos ter clientes institucionais.”
Por ora, o Banco Central deixou claro que não se responsabiliza por nenhuma perda de quem se arriscar a investir na moeda virtual. O ideal, para o BC, é ficar longe dela, pois não há garantias para evitar que, após uma fraude, seu valor seja reduzido a pó. Uma bitcoin vale R$ 1.108 hoje. Mas chegou a R$ 3.420 no fim do ano passado. Para o economista Nouriel Roubini, a bitcoin não passa de um esquema de pirâmide, e o megainvestidor Warren Buffett a classificou de “miragem”. “É especulação e não deve ser usada como investimento”, concorda o economista Luiz Calado, autor de livros sobre finanças pessoais.
Surgida em 2009, a bitcoin é um mistério. Teria sido criada por um certo Satoshi Nakamoto – nunca identificado, apesar de a Newsweek jurar tê-lo achado – com o intuito de ser uma moeda global para compra de bens e serviços. Ao surgir, cada unidade, identificada pela sigla BTC, valia US$ 1. No início de dezembro de 2013, atingiu o recorde de US$ 1.151. Mas, em fevereiro, a plataforma de negociação japonesa MtGox anunciou o sumiço de 850 mil unidades da moeda, na época o equivalente a US$ 480 milhões. No fim daquele mês a MtGox pediu concordata e hoje está sob risco de processo nos EUA. O escândalo deixou os investidores em alerta e fez a cotação da BTC recuar para os atuais US$ 350, queda de 70%.
A moeda digital fica em carteiras virtuais e pode ser transferida sem passar por instituição financeira. Na prática, é uma sequência única de números e letras, gerada por uma complexa equação. Não tem lastro nem garantias de governos, e, portanto, não está sujeita às políticas de nenhum país – daí os entusiastas chamarem a bitcoin de a primeira moeda global da História. Mas todas as transações ficam registradas no site Blockchain. E na esteira da popularização da bitcoin têm surgido outras moedas, como litecoin e peercoin, por exemplo.
Enquanto o governo brasileiro não anuncia sua regulação, empreendedores se lançam a atividades de suporte a transações com a moeda virtual. No país, há hoje ao menos três plataformas de negociação, que, além de compra e venda de bitcoins (como numa Bolsa), permitem a conversão de reais em moeda virtual e vice-versa (como numa casa de câmbio). A Bitinvest, criada há dois meses, lançará em meados de maio um cartão pré-pago que pode ser carregado com BTCs, para pagar por bens e serviços. Isso permitirá a turistas contornar os custos e inconveniências do câmbio. Ao voltarem ao país de origem, eles poderão descarregar o que sobrar no cartão em moeda local.
Só que a cotação da BTC é extremamente volátil, e as carteiras virtuais podem ser alvo de hackers. Ken Hess, analista de tecnologia da informação e colaborador do site ZDNet, mostra-se cético. Ele não descarta uma bolha financeira “que, quando estourar, pode levar os usuários de bitcoins a concordata, multas ou prisão”.
A Câmara e-net, que reúne os principais varejistas online do Brasil, também não vê a novidade com bons olhos. “Não orientamos o consumidor a usar porque é um ativo não lastreado e não apoiado por países. O risco é muito alto”, diz Gerson Rolim, diretor de comunicação do órgão.
Apesar das desconfianças, o sucesso deve ter grande impacto nos custos de processamento de transações financeiras, avalia o Goldman Sachs. Segundo o banco, a bitcoin poderia reduzir os custos de transferência bancária de 10% (cobrados, por exemplo, por empresas como Western Union) para 1%. Isso representaria uma economia de US$ 43 bilhões, com base nos dados do Banco Mundial sobre transferências globais de recursos. A regulação da bitcoin, porém, acabaria por elevar esse custo.
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Juliana Garçon, Gabriela Valente e Claudia dos Santos, do Globo