Dontrell Harris não conseguia esconder o nervosismo de falar para uma plateia de quase 500 pessoas quando subiu ao palco do evento realizado ontem [terça-feira, 8/4] pela IBM para comemorar os 50 anos do mainframe – os computadores que fazem o processamento de grandes volumes de informações de empresas. Ainda assim, o jovem de 27 anos se saiu bem ao contar como aprendeu sobre a tecnologia e arrumou um emprego na seguradora MetLife para manter os mainframes da companhia em operação. Tudo isso em um prazo de cerca de dois anos. Até 2012, ele mal sabia o que era um mainframe. “Eu queria trabalhar com segurança de redes. Mas logo vi que não era pra mim. No mainframe eu descobri uma paixão”, disse Harris ao Valor.
Casos como o de Harris são tudo o que a IBM poderia querer no momento em que o mainframe chega à sua quinta década de existência. Desde os anos 90, a simples existência desses equipamentos vem sendo questionada por especialistas do mercado de tecnologia. Foi nessa época que começaram a surgir opções mais baratas e com desempenho semelhante ao dos mainframes, o que fez com que muitas empresas deixassem de investir nesse tipo de equipamento. Como costuma acontecer no mundo da tecnologia quando uma novidade é colocada no mercado, os mainframes passaram a ser vistos como obsoletos e as previsões sobre sua morte começaram a ser feitas. O investidor americano Stewart Alsop chegou até a marcar a data para o desligamento do último equipamento do tipo: 15 de março de 1996.
O dia fatídico passou e as grandes caixas de ferro, ou Big Irons, como são conhecidos os mainframes continuam a funcionar em bancos, seguradoras, operadoras de telefonia e redes varejistas de todo o mundo. Entretanto, o desafio de fazer com que as vendas cresçam para além dos mercados e usos tradicionais continua inalterado.
A resposta, segundo Pat Toole, gerente-geral da divisão de mainframes da IBM – os System z – é ir para onde o mercado vai: análise de grandes volumes de dados, acesso a sistemas por meio da internet (a computação em nuvem), redes sociais e, principalmente, mobilidade. “Temos clientes que já têm mais da metade de suas transações originadas em dispositivos móveis”, disse ao Valor.
A confiança nos Big Irons
Durante o evento de ontem em Nova York, que contou com a participação de clientes, parceiros, analistas e jornalistas, a companhia apresentou diversas novidades e cases de companhias que estão usando os equipamentos para atender a essas novas demandas. Segundo Toole, a estratégia de rejuvenescimento do mainframe tem dado certo. “Desde o lançamento da linha de produtos mais recente, em meados de 2012, já conquistamos 270 novas contas. No ano passado, tivemos um crescimento de 43% nas vendas para provedores de serviços de internet”, disse o executivo.
Os volumes de vendas podem não parecer tão expressivos frente aos milhões de unidades de equipamentos de custo mais baixo (os chamados x86) vendidos todos os anos por companhias como HP e Dell. Mas o resultado é significativo. Especialmente porque um mainframe nunca é vendido sozinho. Ele sempre sai acompanhado de um pacote de software e de um contrato de serviços de longo prazo. A venda de um pacote está alinhada com a estratégia geral da companhia de forcar-se em linhas de negócios de maior rentabilidade. Em janeiro, por exemplo, a IBM anunciou a venda de sua unidade de servidores de baixo custo para a Lenovo, por US$ 2,3 bilhões, deixando de participar de um mercado altamente competitivo.
Já o jogo dos mainframes, a multinacional americana joga praticamente sozinha. A estimativa é que nove entre cada 10 equipamentos vendidos no mundo hoje sejam IBM. O que sobra é dividido por companhias como Bull, Unisys, Fujitsu, Hitachi e NEC. As três últimas, no entanto, concentram-se no mercado japonês.
Segundo Saúl Cruz Pantoja, diretor executivo da consultoria mexicana Select, o grande diferencial da IBM é que ela tem capacidade para financiar desde o desenvolvimento dos chips até os softwares usados nas máquinas, o que a deixa muito à frente dos competidores. Na avaliação de Pantoja, a estratégia de rejuvenescimento dos mainframes tem chance de ser bem-sucedida. “Ela pode não conseguir um batalhão de novos clientes porque os alvos são de grande porte. Mas ela vai conseguir bastante coisa”, disse.
O jovem Harris também demonstra otimismo com o futuro do mainframe. “Quero continuar trabalhando com essa tecnologia”, disse. A confiança de que os Big Irons vão continuar existindo ainda por muitos anos é tanta que ele quer incentivar mais gente a se embrenhar no segmento. “Agora quero convencer um dos meus melhores amigos a entrar nesse mundo também.”
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Produção é quase artesanal, como de um artigo de luxo
Quem chega à fábrica de mainframes da IBM na pequena cidade de Poughkeepsie – a duas horas ao norte da cidade de Nova York – logo imagina que vai encontrar uma grande linha de produção, com centenas de pessoas por turno e processos automatizados, uma visão comum em fábricas de produtos eletrônicos.
Mas não é nada disso. Na verdade, a produção dos mainframes guarda mais semelhanças com a de carros de luxo do que com a de computadores: um processo praticamente artesanal, com volume de produção limitado. “Cada máquina tem o seu DNA”, diz John Waldron, gerente da linha de produção da fábrica. Ao todo, a produção da IBM chega a mil unidades por trimestre. O volume é dividido entre a unidade de Poughkeepsie e outra semelhante em Cingapura. “Nossa promessa é deixar o equipamento do cliente pronto e configurado em até cinco dias depois que o contrato é fechado”, diz Waldron. Quando um cliente encomenda um equipamento, ele é montado e configurado em uma das duas fábricas e enviado ao seu destino. No Brasil, as peças são reunidas novamente em uma fábrica da Flextronics na cidade de Sumaré, interior de São Paulo.
Poughkeepsie é o berço dos mainframes. Foi daqui que saíram os primeiros equipamentos da linha System 360, há cinquenta anos, e é aqui que o desenvolvimento de novos produtos continua a ser feito. Nos 50 prédios que compõem o complexo, trabalham 5 mil pessoas, entre funcionários da IBM e de terceiros.
Tendência de falha é maior nos primeiros meses
A linha de montagem é composta por 11 estações onde trabalham duas pessoas por turno. A sala onde o processo ocorre foi projetada para simular as condições de um centro de dados, com piso elevado e clima controlado. Quando a linha de produção está em seu nível máximo de demanda – geralmente o fim de cada trimestre, especialmente o último do ano – o barulho nos corredores passa dos 80 decibéis (faixa que pode causar danos auditivos a quem se expõe por períodos prolongados).
Cada peça que é colocada nos equipamentos é registrada. Assim, diz Waldron, é possível saber exatamente o que e onde é preciso fazer uma manutenção caso alguma coisa aconteça. É como se uma montadora conseguisse saber exatamente quais carros precisam passar por um recall sem ter que levar à concessionária todos os proprietários de veículos em uma certa faixa de números de chassi.
Outra característica que diferencia a fabricação de mainframes da de outros equipamentos é que as máquinas chegam ao seu comprador “amaciadas”. Isso significa que cada equipamento passa por uma série de testes que garantem que eles estarão prontos para ter desempenho máximo a partir do momento em que forem ligados, sem precisar de um período de adaptação e cuidados extras – como costumava acontecer com os carros zero quilômetro do passado. “Nos eletrônicos, a tendência de falha é maior nos primeiros meses de uso. Com o tempo essa probabilidade cai e mais à frente volta a subir por conta do desgaste dos componentes. O que fazemos é acelerar esse primeiro ciclo por meio de testes para entregar o equipamento já na fase de estabilidade”, conta Waldron.
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Gustavo Brigatto, do Valor Econômico; o repórter viajou a convite da IBM