“Incendiário”. “Tragicomédia”. “Burrice”. Essas são algumas das reações à notícia de que, entre 2009 e 2012, a Usaid [agência americana de cooperação] financiou firmas de fachada na Costa Rica e na Espanha para promoverem um aplicativo gratuito de mídia social a usuários de celular cubanos.
Em seu auge, até 68 mil cubanos usavam o Zunzuneo, semelhante ao Twitter. Isso conferia potencialmente aos EUA (era isso, pelo menos, o que esperavam os criadores do aplicativo) uma plataforma para induzir flash mobs antigoverno, identificar potenciais líderes oposicionistas e ampliar os setores dissidentes. A ação de Washington em tudo isso era oculta.
Um histórico breve: sob George W. Bush e com milhões de dólares e muito apoio político do Congresso, a Usaid, o Departamento de Estado e outras agências governamentais desenvolveram uma nova interação das velhas políticas de desestabilização: penetrar o bloqueio de informação do regime, promovendo acesso a novas tecnologias para a população cubana. Bush e seu pessoal não faziam esforço para ocultar suas intenções: falavam francamente sobre mudança de regime.
O governo Obama levou esses programas adiante e os desenvolveu mais, mas com o discurso mais liberal de “promover a democracia” ou “fortalecer a sociedade civil”. (Esses conceitos deveriam estar acima de críticas, mas quando viram eufemismos para mudança de regime perdem seu teor idealista.)
A então secretária de Estado Hilary Clinton fez da ampliação da “liberdade da internet” uma das bases para promover a democracia em regimes autoritários, especialmente no contexto da Primavera Árabe.
Quem comanda a política para Cuba?
Presume-se que os gênios digitais que tinham chegado à Casa Branca e ao Departamento de Estado, em muitos casos após ter êxito na área de mídia social da campanha presidencial de 2008 de Obama, tenham injetado uma certa dose de inovação e esperança nos guardiões burocráticos dos 50 anos de fracasso de Washington ante Cuba.
Há muitas ironias presentes. Esquemas quase disfarçados, como o Zunzuneo, supostamente visam a promover um clima de transparência e liberdade de expressão nos países alvos. Outra ironia: o objetivo das sanções econômicas contra Cuba, que Obama fortaleceu no setor financeiro e bancário internacional, é privar o regime de receita. Mas o sucesso do Zunzuneo dependia dos serviços de telefonia celular prestados pela companhia telefônica cubana, uma estatal.
Para manter esse canal, uma das firmas de fachada criadas pela Usaid encontrou um jeito de fazer pagamentos em divisas – sim, a receita que as sanções supostamente devem impedir de chegar – por meio de um banco de um país terceiro, diretamente para os cofres cubanos.
Audiências no Congresso vão pedir a funcionários do governo que expliquem algumas destas hã – contradições. Minhas perguntas: quem comanda a política de Obama para Cuba? Como esses programas podem superar algo que Obama, o vice-presidente Biden e o secretário Kerry já admitiram ser um fracasso que dura 50 anos?
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Julia Sweig é colunista da Folha de S.Paulo