Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Sou brasileiro e não desligo nunca

Uma pesquisa da consultoria PwC (antiga PriceWaterHouseCoopers) em quatro países demonstrou que o internauta brasileiro é um dos mais ativos no mundo quando se trata de acessar serviços na web e apps por meio de celulares, smartphones e tablets. Uma das razões, segundo analistas, é que no país a inclusão digital avança muito mais por meio dos dispositivos móveis, especialmente celulares e smartphones, do que PCs, que aos poucos vão sendo substituídos pela seara mobile.

Segundo Deborah Bothun, diretora da Divisão de Entretenimento, Mídia e Comunicação da PwC nos Estados Unidos, a pesquisa ouviu 4 mil usuários em Brasil, China, Reino Unido e EUA (mil em cada um, aproximadamente) e demonstrou que os usuários de smartphones e tablets no país são os mais engajados dentre os mercados estudados. A maioria usa o sistema Android (59% no smartphone e 51% no tablet), com iOS em segundo (24% no smartphone e 35% no tablet).

O Brasil teve 61% de homens e 39% de mulheres entrevistados. O país tem o índice mais alto de todos em acesso a redes sociais, como o Facebook (95% entram pelo menos uma vez por semana), e em redes profissionais como o LinkedIn (77% uma vez por semana), contra 40% nos EUA. Enquanto 59% dos brasileiros costumam comprar coisas online, só 32% dos americanos o fazem. Mais: 68% dos brasileiros baixam ou fazem stream de séries de TV, e 73% baixam ou fazem stream de filmes, contra, respectivamente 25% e 21% dos americanos.

Entre os usuários “mobile” brasileiros, 93% veem vídeos em seus dispositivos móveis, enquanto 90% jogam games; 87% checam notícias, previsão do tempo e esportes no aparelho, ao passo que 80% se valem do GPS embutido para se situarem geograficamente. A compra de ingressos, reserva de hotéis e de viagens pelo celular (45%, 40% e 38%, respectivamente) é bem maior que no caso dos usuários americanos, cuja taxa varia de 5% a 10% nos mesmos itens. “Tudo online no Brasil é três a quatro vezes maior em pontos percentuais que nos outros países: fazer reservas em hotéis e restaurantes, comprar filmes, ingressos para shows etc. O celular é hoje, no Brasil, mais do que nunca parte integral da vida das pessoas, que estão bem ligadas nele. Há uma grande oportunidade de negócios aí”, afirma Deborah.

“Na faculdade, fazemos tudo em grupos no Facebook”

A executiva do aplicativo de delivery iFood Thaís Machado de Albuquerque é um exemplo de usuária hiperconectada. Tem dois iPhones, um 5 e um 4S, para não ficar fora da internet um segundo sequer. “Quando a bateria de um acaba, uso o outro. Ando com o carregador o tempo todo, e também tenho um carregador portátil extra para quando não achar uma tomada”, diz Thaís, que além de trabalhar no iFood usa pesadamente o aplicativo. “Vivo entre Rio e Espírito Santo, trabalhando na expansão do software, por isso não tenho tempo para cozinhar direito, então peço comida em casa direto.”

Além de ficar online no app o dia inteiro, monitorando fornecedores, ela usa pesadamente redes sociais como LinkedIn e Instagram. “Entre as reuniões, passo pelas redes e faço vários selfies para me distrair um pouco (seu Facebook tem muitos autorretratos). Também uso o celular para fazer compras no supermercado, compras pessoais e pagamentos bancários” diz Thaís. “De manhã, ele é a primeira coisa que vejo, pois também é meu despertador.”

O empresário carioca Jorge Monteiro, diretor da companhia de serviços de mobilidade Superfones, tem um uso até religioso para o aparelho. “Além de manter meus e-mails e contatos dentro do meu aparelho (um Moto X), levo nele minha Bíblia, com a qual acompanho os cultos da igreja que frequento. Fico com ela aberta e o bloco de anotações, também dentro do aparelho, a postos para escrever observações”, conta Jorge. “O smartphone também serve para monitorar meu desempenho no triatlo, que pratico, por meio de um aplicativo. Uso ainda aplicativos de táxi, faço check-in em voos, e pago contas usando a câmera como leitora de códigos de barras. Finalmente, nas viagens, o celular é hoje o grande companheiro quando você está sozinho a trabalho.”

A estudante de Medicina da Uerj Larissa Giglio usa pesadamente em seu iPhone 4 aplicativos como Facebook, WhatsApp e Waze. Quando o smartphone dá algum problema, ela fica praticamente sem chão. “Outro dia ele molhou e não consegui acessar o Facebook da rua… Fiquei aflita até chegar em casa e entrar na rede social pelo iPad, que tinha deixado lá. Na faculdade, fazemos tudo em grupos no Facebook, combinamos trabalhos, vemos horários e localização das salas”, conta Larissa.

Classes menos abastadas economizam para comprar smartphones

O iPad também é constantemente levado para a universidade, e nele Larissa faz seus apontamentos sobre as matérias, usando o Microsoft OneNote e salvando tudo na nuvem, no Sky Drive. “Troco muitas mensagens pelo WhatsApp, e às vezes por SMS quando os amigos não têm o aplicativo. E o Waze me ajuda a não me perder na Tijuca, com que não tenho muita familiaridade (moro no Leblon), além de dar dicas preciosas sobre o trânsito”, conta Larissa, que acabou de começar a faculdade.

Para o antropólogo Michel Alcoforado, especializado em consumo e diretor da consultoria Consumoteca, o alto engajamento nos dispositivos móveis acusado pelo estudo sinaliza que os brasileiros, em vez de esperar pela tão propalada inclusão digital, trataram de correr atrás e se incluírem eles mesmos no mundo conectado. “E os celulares e smartphones tornaram essa conexão mais fácil. O que ocorre no Brasil é que, diferentemente dos EUA, o uso de aplicativos e serviços móveis é bem mais disseminado por todas as classes sociais e faixas etárias”, diz Michel. “Cada uma os usa a seu próprio modo, mas todo mundo está antenado e quer saber das últimas novidades, seja do lançamento de um novo iPhone ou daquele joguinho que está bombando, como o ‘Flappy Bird’. A utilização do celular é tão intensa que todo mundo quer ter um aplicativo móvel, desde as marcas mais fortes até o salão de beleza da esquina.”

Segundo recente levantamento da Consumoteca, as classes menos abastadas economizam o que podem para comprar smartphones, que utilizam com internet pré-paga. “O filho de minha empregada chegou a planejar usar a indenização de um emprego como assistente de pedreiro para trocar seu Galaxy SIII por um S4”, conta Alcoforado.

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André Machado, do Globo