A forte resistência sobre uma eventual governança da internet, presente na maioria dos países até há poucos anos, mudou. Agora, os governos reavaliam o tema, cuja discussão é liderada pelo Brasil, com a aprovação do Marco Civil, e ganha força no congresso NetMundial, que será realizado hoje e amanhã em São Paulo. Entretanto, mudanças relevantes sobre a internet possivelmente só ocorrerão nos próximos cinco a dez anos. A expectativa é do governo brasileiro e de representantes de organismos internacionais que representam a internet e participaram ontem de debate promovido pelo SindiTelebrasil, que reúne as operadoras de telecomunicações.
O futuro da Icann ficou no centro dos debates. A organização, responsável por atribuir nomes e números na internet, é subordinada ao governo americano, mas poderá ter esse vínculo rompido ao se mudar para a Suíça, a convite daquele governo, e se tornar internacional e multissetorial. “É preciso ouvir todos os usuários, do Hemisfério Norte e do Sul. Não pode haver condicionantes [dos EUA], a comunidade toma a decisão”, disse o secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações, Maximiliano Martinhão. Ainda não estão claras quais as condições que seriam impostas pelos EUA, mas ninguém gostou dessa possibilidade. A proposta é que a Icann seja independente.
“Os Estados Unidos têm uma grande vantagem em manter as coisas como estão”, disse Franco Bernabè, ex-presidente-executivo e do conselho da Telecom Italia. “Mas [os EUA] têm de reconhecer que a privacidade é diferente nos EUA e na Europa.” Bernabè, que veio ao Brasil para lançar o livro Liberdade Vigiada, que trata da privacidade, segurança e mercado na rede, disse que foi importante manter a internet aberta e gratuita até agora, mas que as coisas estão mudando e que devem ser reconhecidos os diretos de cada player.
Segundo Bernabè, a partir da conferência da União Internacional de Telecomunicações (ITU) em Dubai, em 2012, houve uma ruptura do modelo de internet. As acusações de que uma governança da rede mundial só atenderia aos interesses da China e da Rússia, para vigiar outros países, foram por água abaixo quando veio à tona o escândalo de espionagem nos EUA, revelado pelo ex-técnico da CIA e da NSA, Edward Snowden.
A ausência das operadoras
Um dos problemas, diz Bernabè, é que quando o governo americano decidiu, nos anos 90, abrir a internet para uso comercial de bilhões de pessoas, anteriormente acessada por uma pequena comunidade, não mudou nada na rede. Os EUA teriam acreditado que poderiam usar sua influência para controlar a internet. “Foi um problema de autoconfiança demasiada”, disse.
Chegar a um consenso não parece ser uma tarefa fácil. Mesmo como órgão internacional, a Icann está sob a mira da desconfiança de que seria controlada pela ONU, o que não é aceito por todos. “A Icann debaixo da ONU poderá não atender a muitas das partes interessadas”, disse Christoph Steck, representante das operadoras europeias de rede de telecomunicações (Etno, na sigla em inglês). Para Steck, as operadoras não fizeram um bom trabalho para ser representadas nas discussões que envolvem a internet. “Tem mil pessoas se encontrando aqui [na NetMundial], mas poucas são de telecomunicações. É preciso levar isso a sério”, afirmou.
“A ausência das operadoras nas discussões traz um grande risco, inclusive que o setor privado, no qual se inserem as teles e empresas como o Google, seja amalgamado”, disse Dominique Lazanski, da GSMA, que reúne as teles.
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Ivone Santana, do Valor Econômico