Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que pensa o governo dos EUA

Um mês depois de ter se tornado público o projeto do Governo dos Estados Unidos para fomentar uma mudança política em Cuba através de uma rede social de mensagens e no momento em que a internet desempenha um papel essencial para a organização dos opositores venezuelanos, o Departamento de Estado fez nesta quarta-feira um fervoroso discurso sobre a importância das redes sociais na promoção da democracia na América Latina e no resto do mundo.

Durante sua intervenção na assembleia anual do Conselho das Américas, a secretária de Estado adjunta de Assuntos do Hemisfério Ocidental dos EUA, Roberta Jacobson, foi questionada sobre projeto do “Twitter cubano” chamado ZunZuneo e não só defendeu com vigor a iniciativa frustrada como também animou todos os cidadãos, tanto os cubanos como os de outros países, a usar a Internet como um megafone reivindicativo.

“Gostaria que não supervalorizássemos a polêmica por um único programa. Sigo fomentando o uso das redes sociais para a democracia, o ativismo e a sociedade civil”, disse Jacobson. “O espaço das redes sociais foi incrivelmente útil e produtivo”, acrescentou.

Sobre o projeto em Cuba, que acabou em 2012, pediu que “não se estigmatizasse” o uso da internet na promoção da democracia e admitiu que buscava “conectar ativistas e indivíduos para estimular as pessoas a falarem abertamente de assuntos, como está acontecendo na Venezuela, Ucrânia ou na Tunísia e Egito”. Neste sentido, considerou que seria um “sério erro” afastar do uso destas “ferramentas” os cidadãos porque isso não ajudaria em nada a fomentar reformas, seja por questões democráticas, econômicas ou locais. “Acho que a ideia de que os cidadãos cubanos possam falar entre eles é criticamente importante. Desejaria que pudessem falar livremente entre eles em plataformas existentes, mas não acho que possam neste momento”, disse.

Epicentro comercial

De acordo a uma investigação da agência de notícias Associated Press, ZunZuneo – criada em 2009 e que chegou a contar com 40.000 usuários em toda Cuba – foi secretamente concebida e financiada pelo governo dos EUA com a finalidade de provocar uma mudança na ilha através da circulação de conteúdos políticos que inspirassem uma “primavera cubana”. O projeto foi gerenciado pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, por sua sigla em inglês) através de empresas de fachada com contas bancárias nas Ilhas Cayman e de servidores de informática localizados em três países.

Depois da revelação, Washington negou que se tratasse de uma operação secreta. “Sugerir que estes são programas secretos é simplesmente incorreto. O Congresso financia programas para a democracia em Cuba, para ajudar os cubanos a ter acesso a mais informação e fortalecer a sociedade civil”, replicou na época o Departamento de Estado.

No entanto, especialistas como Moisés Naím, pesquisador do centro Carnegie Endowment em Washington e que participou de um painel na assembleia, alertam que cabe distinguir entre o uso das redes sociais como meios de “libertação ou de repressão”. “Em muitos países é de libertação porque facilita a mobilização, dá energia aos coletivos sociais; mas em outros países os governos controlam as redes e as usam para identificar os opositores e intimidá-los”, explicou ao El País. Ele mencionou, por exemplo, que na Venezuela ou no Irã a polícia aparece nas casas dos opositores assim que se descobrem suas atividades na Internet.

Na mesma assembleia, ele também falou de Cuba alguns minutos depois do secretário de Estado, John Kerry, que em novembro reconheceu que os EUA tinham que ser “mais criativos” com o regime castrista, mas que nesta quarta-feira só fez uma breve referência genérica. “Nenhum de nós quer ver as pessoas cubanas continuarem para trás enquanto o resto do hemisfério avança”, afirmou.

O chefe da diplomacia norte-americana lembrou as medidas adotadas pelo governo de Barack Obama para “reduzir a dependência dos cubanos do Estado e fortalecer a sociedade civil independente” e assim “dar poder aos cubanos para determinar livremente seu futuro”. Em 2009, a Casa Branca eliminou as restrições sobre as visitas dos cubano-americanos à ilha, elevou os limites das remessas que podiam emitir e facilitou as viagens à Cuba de cidadãos norte-americanos que sejam motivadas por questões culturais, educativas e religiosas.

No último ano vários grupos pediram que Obama use seus poderes executivos, desviando da oposição no Congresso, para aprovar novas medidas flexibilizadoras. Mas a detenção no ano de 2009 em Cuba e a posterior condenação a 15 anos de prisão do funcionário dos EUA, Alan Gross, congelou essa aproximação. Kerry destacou nesta quarta-feira que Washington segue “avaliando” suas políticas para a ilha comunista ao mesmo tempo em que insistiu que a “ferramenta mais efetiva” é construir “conexões mais profundas” entre os cubanos e os norte-americanos.

Venezuela foi o único outro país ao qual o secretário de Estado se referiu diretamente em seu discurso, embora também de forma breve. Reiterou a “profunda preocupação” de Washington pela “deterioração” da situação no país depois da eclosão há três meses da onda de protestos da oposição contra o governo de Nicolás Maduro.

“O futuro da Venezuela deve ser decidido pelas pessoas da Venezuela, a população nas ruas tem queixas legítimas que merecem ser atendidas. A séria piora econômica e social só pode ser resolvida com a contribuição destas pessoas”, afirmou. Neste sentido, ele voltou a manifestar o apoio de Washington ao diálogo promovido pela Unasur entre o governo e a oposição, e insistiu, buscando certa solenidade, que os Estados Unidos “nunca deixarão de defender os direitos humanos essenciais em qualquer democracia em funcionamento”. Um pouco antes, Jacobson tinha pedido que o governo de Maduro permitisse a realização de “progressos” nas conversas que levem a uma diminuição na violência nas ruas e nas prisões dos presos políticos.

Boa parte do discurso de Kerry versou sobre uma extensa análise da melhoria econômica e social da América Latina nas últimas décadas, e em uma defesa da necessidade de aumentar a coordenação para que o continente se sobressaia no epicentro comercial do planeta – graças aos possíveis tratados de livre comércio no Pacífico e no Atlântico que se estão sendo negociados atualmente – e energético pelas novas descobertas de petróleo e gás nos EUA e em outros países da região.

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Joan Faus, do El País, em Washington