Primeiro, a realidade: é impossível garantir que aquela fotografia comprometedora partilhada no Facebook numa noite mais animada venha um dia a desaparecer para sempre da Internet. Nem o botão “apagar” nem uma decisão da mais alta instância judicial de qualquer país funcionam como uma máquina do tempo infalível.
É aqui que entra a outra realidade: é possível garantir que a mesma fotografia – ou uma opinião, ou um vídeo – seja remetida para os confins da Internet, escondida dos resultados das pesquisas nos motores de busca como o Google.
O principal problema é o efeito bola de neve: se alguém copiar um texto ou descarregar uma fotografia para o seu computador, e depois partilhar esse conteúdo numa outra página, será mais difícil garantir o nosso “direito a sermos esquecidos” na Internet, que o Tribunal de Justiça da União Europeia defendeu nesta terça-feira, numa decisão histórica.
O caso torna-se ainda mais complicado devido à acção da indústria dos chamados “corretores” ou “agentes” de informação (data brokers é o termo usado em inglês) – empresas que se dedicam a recolher, a comprar e a vender informações pessoais sobre os utilizadores de Internet, para alimentar outros mercados, como os da publicidade e das campanhas eleitorais. Só uma dessas empresas, a norte-americana Acxiom, diz ter informações sobre 500 milhões de consumidores em todo o mundo, com 1500 itens por cada um deles, segundo uma investigação do jornal The New York Times publicada em Junho de 2012.
Públicos e privados
É por esta razão que o texto do Tribunal de Justiça da União Europeia, divulgado nesta terça-feira, é ao mesmo tempo histórico e insuficiente para impedir que os erros do passado no mundo virtual venham a assombrar o nosso futuro na vida real. Mas pode limitar os danos sofridos.
O caso analisado pelo tribunal europeu teve como ponto de partida a queixa de um cidadão espanhol contra o Google, que se tem arrastado em Espanha desde 2010.
No dia 19 de Janeiro de 1998, o jornal La Vanguardia publicou um anúncio do Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais sobre um leilão de imóveis para o pagamento de dívidas à Segurança Social. Um dos devedores era Mario Costeja González, um perito em caligrafia e comunicação não verbal, cujo apartamento foi levado a hasta pública.
O caso foi encerrado há anos, mas o nome de González ficou para sempre associado à dívida que já não tinha, quando o La Vanguardia decidiu digitalizar o seu arquivo, em 2008.
Ainda hoje, sempre que alguém entra no Google para fazer uma pesquisa sobre Mario Costeja González, lá está a página do jornal espanhol – “O Parlamento negou a eutanásia no debate sobre o Código Penal” é a notícia em destaque, ilustrada com uma fotografia de Ramón Sampedro, o tetraplégico que lutou nos tribunais pelo direito à eutanásia e que cometera suicídio poucos meses antes; ao lado, o comunicado do Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais informa-nos que o apartamento de Mario Costeja González, na Rua Montseny, em Barcelona, tem 90m2 e está à venda por 8,5 milhões de pesetas.
Numa tentativa de apagar da Internet essa fase da sua vida, González queixou-se à Agência Espanhola de Protecção de Dados há quatro anos. Escolheu como alvos o jornal La Vanguardia (ao qual exigiu que retirasse a página em causa ou que a rasurasse, para esconder o seu nome) e o todo-poderoso Google (que foi instado a deixar de indexar a mesma página, evitando que ela continuasse a aparecer como resultado das pesquisas).
A agência espanhola deixou cair o caso contra o La Vanguardia, argumentando que o jornal publicou a informação de forma legal em papel, há 16 anos, mas considerou que as normas europeias protegem Mario Costeja González contra o acesso a essa informação, facilitada hoje em dia pelos motores de busca.
O maior impacto da deliberação do Tribunal de Justiça da União Europeia – que foi chamado a pronunciar-se pela Audiencia Nacional espanhola, depois de o Google se ter recusado a cumprir a ordem da agência de protecção de dados – é o facto de considerar que o gigante norte-americano é responsável por tudo o que adiciona à sua lista de links e que tem controlo sobre os dados pessoais dos utilizadores. A empresa contesta, alegando que serve apenas como uma fornecedora de links para conteúdos legais que já estão disponíveis na Internet.
Mas o facto é que, a partir de agora, mediante uma avaliação do equilíbrio entre interesses públicos e privados, os tribunais europeus podem ordenar aos motores de busca que eliminem links para determinadas páginas – é preciso que os queixosos consigam provar que a informação em causa já não deve continuar a estar associada ao seu nome no momento da queixa.