Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Papo de máquina

Há uma conspiração entre as novas máquinas, alheia à maioria de seus usuários. Discretamente, software e hardware estão trocando uma ideia, por meio de aparelhos que combinam tecnologias de comunicação, computação e baterias minúsculas para permitir a interação remota entre máquinas e processos biológicos, físicos e químicos.

Pequenos sensores capturam temperaturas, localizações, níveis de estoque, sinais biométricos, luminosidade, movimento, altitude, velocidade e praticamente tudo que puder ser medido por uma máquina. Munidos de antenas ou chips de telefonia, transmitem os dados para um servidor, onde são traduzidos e analisados, gerando novas ações.

Chamada de machine-to-machine communication (M2M), essa conversa entre máquinas faz parte do cotidiano há mais de 30 anos, na forma de códigos de barras, sensores de segurança e uma infinidade de interfaces transparentes.

Alguns chamam essa nova revolução industrial de “internet das coisas”, outros de “cidade inteligente”. O princípio de sensores e comunicação é o mesmo, e seu funcionamento é uma tarefa bem mais complicada do que pode sugerir a compra de brinquedinhos eletrônicos.

Os sensores são a faceta mais visível de um enorme sistema de integração tecnológica, que envolve roteadores, servidores, aplicativos, armazenamento na nuvem e “big data”. Está mais para uma nova forma de pensar a tecnologia do que para uma técnica, e seu impacto pode ser maior do que o da internet.

Gramática própria

Como toda obra de infraestrutura, sua instalação demanda regulamentações e protocolos de segurança, a começar pelas redes de comunicação. As atuais redes de telefonia móvel estão sobrecarregadas com chamadas telefônicas, tráfego de dados e vídeo. Não é viável agregar a essa rede os 50 bilhões de novos dispositivos que se imagina estarem conectados no mundo até 2020, gerando cerca de 4 milhões de novos Tbytes de tráfego.

Por isso muitos pensam em novas redes, usando frequências de rádio inexploradas. Não de pode esquecer que um servidor com 99,5% de confiabilidade ainda pode ficar quase dois dias fora do ar por ano.

Outro desafio é a integração. Os sensores de hoje usam diferentes padrões, alguns usados simultaneamente. Essa Babel precisa ser decodificada. Ninguém duvida que será.

Quando estiver em ação, essa integração de máquinas e inteligência poderá ajudar a resolver boa parte dos grandes problemas de megalópoles como São Paulo. Empresas de eletricidade, saneamento e abastecimento podem usar sensores para evitar desperdícios e sobrecargas. A condição das ruas, transporte público e trânsito pode ser monitorada e corrigida rapidamente. Várias ações de governança, planejamento urbano e impacto ambiental poderão ter ajuda de máquinas.

É claro que isso envolve perda de autonomia. No melhor estilo ficção científica, a comunicação entre máquinas, associada a sistemas de inteligência artificial, deverá ser programada para aprender novas soluções a cada desafio, criando uma complexidade inimaginável.

Com o tempo, será inevitável que sua conversa desenvolva uma gramática própria, incompreensível para nós. Ao se comunicarem, as máquinas evoluem e se transformam em uma espécie social. Como nós.

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Luli Radfahrer é colunista da Folha de S.Paulo