Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Isso, sim, é revolucionário

Na semana passada [retrasada], o Google anunciou uma surpreendente versão de seu carro automatizado. Os protótipos iniciais eram SUVs Lexus típicos, com volante, câmbio automático, pedais ao pé. O carro dirigia por conta própria, se comandado através de um aparelho parecido com um GPS, mas bastava ao indivíduo pegar o volante para assumir o controle. Esta segunda geração de testes é radicalmente distinta. Como que um Fusca achatado de dois assentos, não tem volante ou pedais. Apenas a tela com o mapa e dois botões: começar, parar.

É revolucionário.

O carro, que bem parece brinquedo, é elétrico. Anda 160 quilômetros numa carga e não passa de 40 km/h. É veículo para andar na cidade. O modelo inicial do Google andou por mais de 800 mil quilômetros na Califórnia durante os últimos dois anos, atravessou estradas, cidades grandes e pequenas. Sofreu um único acidente. Naquele momento, um homem estava dirigindo. Na indústria automotiva, espera-se que os primeiros modelos comerciais, do Google ou de fabricantes tradicionais, cheguem às lojas por volta de 2020.

A palavra revolucionário não aparece aqui à toa. Se um carro automático se provar realmente mais seguro, como parece ser o caso, poupará vidas. E as companhias seguradoras são, de presto, as mais atentas. Os primeiros modelos provavelmente terão a automação opcional. Quem quiser poderá dirigir. Mas, em pouco tempo, motoristas que optam por dirigir talvez tenham de pagar apólices mais caras. Assim como a cobertura para determinados acidentes pode ser menor em caso de o sujeito ter as mãos ao volante. Dirigir vai ficar mais caro.

Para quem prefere dirigir há um alento: buscar onde estacionar deixa de ser difícil. Basta mandar o carro de volta para casa sozinho. Ou, se isso parece pouco prático, outro negócio pode surgir: o do carro por assinatura. Pague seu quinhão mensal a uma operadora por um certo número de quilômetros, os carros ficam andando pela rua, há sempre um próximo. Um clique no celular convoca o carro mais próximo, que o leva para onde for. E, assim, ter carro para quê? Ser dono de um carro pode ficar obsoleto. Táxis, idem. Lentamente, toda a infraestrutura de transportes das cidades começa a ser reinventada.

Revolucionário, pois é.

Google Glass é piada

O Google vive de colecionar informações sobre nós que transforma em subsídios para venda de publicidade. Talvez, se lhe permitirmos escolher uma rota com certos outdoors ou lojas, tenhamos um desconto qualquer. Talvez ele vá, lentamente, anotando um registro de todos os lugares para os quais o carro nos leva. Aprenderá nossa rotina e a transformará em lucro. Aí a polícia poderá requerer a um juiz a quebra do sigilo automobilístico, que revelará por onde andamos certo dia, a dada hora.

Nas ditaduras e nos Estados policiais, governos vão adorar mais essa oportunidade de controle.

Assim como um enorme número de pessoas deixará de morrer em acidentes, ganharemos mais tempo para ler jornal ou ouvir música distraidamente. Deitar e dormir na viagem noturna será um prazer. Quiçá namorar.

O dilema com tecnologias muito novas e tão transformadoras é que nossa imaginação raramente percebe a extensão das mudanças futuras. Qual o real impacto de algo assim na estrutura da sociedade. Que leis poderão ser criadas para impedir certos abusos, que novas possibilidades de fato nascerão.

Google Glass é piada. Esta é a mais importante tecnologia em gestação no Google. E, talvez por parecer ficção científica demais, é também aquela para a qual há menos gente prestando atenção. Parece ficção. Mas está próxima.

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Pedro Doria, do Globo