Não é todos os dias que a gente recebe um convite para visitar o futuro. Pois eu tive a sorte de receber um convite desses na semana passada – e, na segunda-feira [23/6], lá estava eu, num seleto grupo de trinta geeks e nerds, assistindo ao jogo do Brasil no auditório do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o CBPF, numa inacreditável (e temo que indescritível) transmissão 8K. “Tem certeza que não é 4K?”, perguntou meu genro, que gosta de tecnologia, quando telefonei para a Bia contando aonde estava indo.
Sim, respondi, muito segura de mim e bem consciente da improbabilidade do que estava informando: eu ia ver uma transmissão ao vivo em 8K.
Pois é: o 4K, também chamado de Ultra HD ou ultradefinição, quatro vezes mais nítido do que o nosso atual Full HD, ainda é uma tecnologia tão avançada, mas tão avançada, que, ao que eu saiba, há apenas uma televisão exibindo transmissões dos jogos em 4K num shopping da cidade, para mostrar ao público o que pode esperar para o futuro próximo. Já existem aparelhos 4K à venda, é claro, mas o seu potencial só será plenamente realizado quando as transmissões 4K forem corriqueiras. Imaginem então o 8K, dezesseis vezes mais nítido, por enquanto conhecido como Super Hi Vision em inglês, Ultra Alta Definição em português, mas aberto a todo um mundo de hipérboles, super duper ultra mega blaster.
Quem está por trás disso é a NHK, a emissora pública japonesa. Naoto Ishii, gerente sênior de mídia, nos informou que a empresa espera começar a implantar o 8K no Japão em 2020. Quando a tecnologia vai chegar ao resto do mundo são outros quinhentos. Além da infraestrutura existente não dar conta da demanda de banda do 8K, resta saber quando – e se – as demais emissoras estarão inclinadas a investir num novo upgrade, mal tendo se equipado para o HD e para o 4K.
Janela para o futuro
Mas, afinal, que tal o 8K?
A primeira impressão que tive, assim que a transmissão começou, foi a de que estava vendo uma animação. Depois pensei em fotografias móveis. Depois saiu um gol e fiquei desconcentrada.
Mas o fato é que tudo fica muito, muito nítido: os fios de grama e de cabelo, a textura das chuteiras, o rosto dos espectadores nas arquibancadas. É como se estivéssemos numa versão 2D do estádio. A sensação é composta – e eu diria ampliada – pelo som, que tem 22,2 canais de áudio, contra os 5,1 a que estamos acostumados nos bons equipamentos. Quando o público cantou o Hino Nacional, por exemplo, tive a impressão de que, se apurasse um pouco o ouvido, conseguiria distinguir vozes individuais. O excesso de informação chega a dar um pouco de tonteira até a gente se acostumar.
Mesmo os leds que compõem os anúncios em torno do campo, e que em geral não vemos individualmente, são perceptíveis em certos instantes, sobretudo, me parece, quando compõem fundos claros. Às vezes, aliás, eles formavam uma propaganda da Sony, anunciando a tecnologia do futuro: 4K. E eu ficava invariavelmente arrepiada porque, naquele exato momento, estava tendo o privilégio de ver uma janela para um futuro ainda mais distante.
Capacidade de percepção
A transmissão da NHK – viabilizada pela RNP, a rede acadêmica brasileira – foi feita com uma câmera 4K e três câmeras 8K (que pesam apenas dois quilos; a primeira, produzida em 2002, pesava 80). Ela foi diferente das transmissões a que estamos acostumados, e que alternam cortes, planos fechados e até imagens aéreas. Durante a maior parte do tempo, o que víamos na colossal tela de 275” era mais ou menos o que veríamos se estivéssemos no estádio: o gramado e o movimento dos jogadores como um todo. As exceções ocorriam nos momentos de praxe, os gols e os lances em que havia possibilidade de falta.
Quando o jogo acabou, Naoto Ishii ficou interessado em saber se tínhamos estranhado essa forma imersiva de projeção. Não, ninguém estranhou. Alguns até preferiram a imagem menos editada, porque, com a nitidez do 8K, foi possível acompanhar tudo em detalhes.
Nós, por outro lado, ficamos interessados em saber onde a tecnologia vai parar. A partir de que momento deixamos de perceber diferenças de nitidez? Em tese – e mal comparando, porque é óbvio que o cérebro processa informação de uma forma bem mais complexa do que qualquer tecnologia – especialistas calculam que o olho humano tem uma resolução de 576 megapixels; mas isso cobre o total do nosso campo visual. De todos eles, apenas os sete megapixels que compõem o foco central do que estamos vendo importam. De modo que o 8K está até um pouco acima da nossa capacidade de percepção.
Só o começo
A NHK tem estudado muitas aplicações paralelas para o 8K. As pesquisas abrangem universos tão diferentes quanto medicina e artes plásticas, educação, design industrial. Num dos folhetos que recebemos há imagens de futuros cenários de uso: numa loja, as vitrines digitais ampliam o espaço interno; num museu, as telas deixam obras de arte ao alcance do público; num espaço aberto, uma multidão assiste a um show numa tela imensa.
Estamos só no começo. Vai ser divertido acompanhar essa viagem – e, um dia, quando o 8K for padrão, olhar para trás, relembrando como foi impressionante ver o Brasil ganhar em altíssima resolução.
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Cora Rónai, do Globo