O Facebook comprovou por meio de uma pesquisa que as informações lidas na rede social interferem no humor dos seus usuários. Mas a forma como o estudo foi realizado está gerando uma tempestade de críticas, encabeçadas por advogados e pesquisadores acadêmicos pelo mundo: o site de Mark Zuckerberg não informou aos 690 mil usuários selecionados para o experimento que eles teriam seus feeds de notícias manipulados.
Realizado em parceria com acadêmicos das universidades americanas da Califórnia e de Cornell em 2012, e divulgado no fim de semana, o estudo da rede social avaliou, por meio de algoritmos, os comentários, vídeos, fotos e links postados por pessoas nos feeds de usuários selecionados para o estudo por uma semana.
Enquanto uma parcela deixou de receber publicações “positivas” dos amigos, por meio de um filtro imposto pelo Facebook, outra parte recebeu menos posts “negativos”. Como resultado, o primeiro grupo acabou “entrando na onda” e publicando menos conteúdos tidos como “positivos”. O segundo foi na linha oposta.
A pesquisa, então, concluiu que “emoções expressadas por amigos, via redes sociais, influenciam nosso humor, constituindo, para nosso conhecimento, a primeira evidência experimental de contágio emocional de larga escala por meio de redes sociais.”
Pesquisadores criticam método
Apesar de os termos de uso do Facebook preverem que o site pode fazer análises com os dados das pessoas inscritas na rede social, pesquisadores e advogados em todo o mundo julgaram “absurda” a decisão da rede de não avisar aos usuários sobre o estudo.
É o caso da advogada Isabela Guimarães Del Monde, sócia do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados, especializado em Direito Digital. Para ela, a rede social não foi ética com seus usuários, desrespeitando a dignidade humana. “A participação em experimentos e pesquisas deve ser previamente autorizada pelo sujeito que for alvo delas, mesmo que ele não saiba a razão do estudo, o que, normalmente, é mantido em sigilo para que os participantes não sejam influenciados. Portanto, eticamente houve falha na omissão das informações”, afirma ela.
Ao comentar a atitude da rede social em seu blog, o professor de direito James Grimmelmann, da Universidade de Maryland, nos EUA, demonstrou percepção semelhante à de Isabela, criticando a forma como a empresa utilizou os seus termos de uso e classificando o estudo de “escandaloso”.
As críticas também chegaram de outras áreas da ciência que lidam com pesquisas com humanos e seguem os procedimentos de consentimento informado:
“Consentimento informado significa que o participante tanto entende essa informação como concorda em participar da pesquisa”, escreveu o pesquisador de epidemiologia Max Masnick, também de Maryland, em seu blog, atacando a falta de clareza (e de destaque expositivo) das regras do site.
No último domingo [29/6], Adam Kramer, um dos pesquisadores envolvidos no projeto, escreveu em sua página na rede social que o estudo foi feito pois os seus idealizadores “se importam com o impacto emocional do Facebook e das pessoas que usam nosso produto” e tentou minimizar as ações da rede:
“Ninguém teve postagens ‘escondidas’, elas simplesmente não apareceram em algumas atualizações do feed. Essas mensagens sempre puderam ser vistas nas páginas dos seus amigos e poderiam aparecer em atualizações futuras”, afirmou o pesquisador.
Empresa pede desculpas
Ao final do texto, Kramer pediu desculpas pela ansiedade gerada em reação à pesquisa e afirmou que as condutas do Facebook estão “sempre sendo renovadas”.
Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio), Carlos Affonso Souza acredita que o Facebook está protegido pelos seus termos de uso quanto a possíveis processos por usuários em reação ao episódio. Para ele, o lado positivo da polêmica é que ela deve fomentar uma maior consciência das pessoas sobre as regras da rede, algo “sempre saudável”: “Ao filtrar os feeds, o Facebook não fez nada que já não faça normalmente e que seja descrito nos seus termos de uso. Agora, casos como esse são importantes justamente para alertar às pessoas sobre os dois lados da moeda das redes sociais: que elas se baseiam nos seus dados, mas funcionam sob regras definidas pelas empresas.”
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Thiago Jansen, do Globo