Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não me sinto velho

Já passei daquele momento em que me preocupava com bifocais e pés de galinha. Mas não me sinto velho. Devo ficar alegre, triste, cansado, apavorado? Eu sinto tudo isso. Sempre senti.

A tecnologia é causa de boa parte das minhas rugas. Hoje parece haver uma predisposição a crer que todo mundo sabe tudo sobre computadores e está com o último modelo em mãos. É complicado manter-se atualizado atualmente. Não adianta mais ler, ouvir, ver. É preciso comentar, publicar, compartilhar, curtir, seguir, visitar, encaminhar. São tantas formas de participação que me deixam tonto.

Não me sinto um dinossauro. Não tenho medo de ligar computadores. A internet não me isola. Faço buscas, compro, leio, jogo, pago contas e uso aquele videofone maravilhoso do Skype para falar com a família. Não quero ter “amigos” no Facebook, mas em geral me viro bem.

Nesse mundo de nativos digitais, sou imigrante. As coisas não estão escritas na minha língua e sei que, mesmo fluente, meu sotaque é inconfundível. Ele se mostra no endereço no Hotmail, na incapacidade de tuitar, no medo enorme com a segurança on-line e, ao mesmo tempo, em senhas fáceis para eu não esquecer. Me acostumei com um BlackBerry velho. Não faço muito mais com ele do que falar e mandar e-mails, não mando SMS. Uso relógio de pulso. Não me visto como quem tem 20, porque me comportar digitalmente como tal?

Minhas máquinas, como minhas roupas, ainda realizam bem suas tarefas, por que trocá- las? Detesto pensar no volume de coisas que meu novo telefone será capaz de fazer, mas que eu nunca farei por não saber como. Acho Androids, tijolões e iPhones uma frescura. Pronto, falei.

Melhor para todos

O mundo está cada vez mais cheio de Tamagotchis, berrando por atenção o tempo todo. Não consigo entender para que usar um Google Glass ou um “livrofone” da Amazon.

Impressoras 3D se tornam obsoletas mais rápido que smartphones. Elas me lembram as antigas máquinas de costurar. Talvez compre uma quando fizer roupas.

No Vale do Silício parecem crer que é impossível ter ideias depois dos 35. Zuckerberg já está com 29. Quero ver o que vai acontecer.

Na minha época se contratava por experiência, não apesar dela. Hoje os jovens empreendedores parecem desesperados para contratar cópias de si mesmos, esquecem que profissionais mais velhos costumam ser mais sensatos e não se apaixonam por cada nova tecnologia.

Marissa Mayer e Sheryl Sandberg não são mocinhas. Tim Cook não é um garotão. Os meninos do Google um dia contrataram um presidente de verdade. A maioria do resto tem Cyranos, muito bem disfarçados, sussurrando no ouvido da molecada. Criar uma empresa é difícil, mas fazê-la crescer é ainda mais.

Não me leve a mal, eu não sou de reclamar. Na verdade só quero que você me respeite tanto quanto eu te admiro. Não me diga que eu “não sou tão velho”, isso não é um elogio.

Você um dia vai se sentir assim. Antes que esse dia chegue, me ajude a consertar a situação. Escute minhas ideias antes de rejeitá-las. Pode ser melhor para todos. Me ajude a ser um surfista prateado na supervia da informação.

Ou será que esses termos já não se aplicam mais?

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Luli Radfahrer é colunista da Folha de S.Paulo