Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O efeito colateral do excesso de informações na rede

A convergência digital, expressa pela produção de informação em ambientes virtuais, a partir, sobretudo, de tecnologias conectadas à internet, influencia no estatuto profissional do jornalista e do jornalismo, assim como no do leitor/internauta/receptor e, também, na estrutura da formação acadêmica relativa aos cursos universitários de Comunicação Social/Jornalismo.

A convergência digital faz parte do que se chama de “cultura da convergência”, conceito largamente associado a pesquisadores da mídia como o professor de Jornalismo da Universidade do Sul da CalifórniaHenry Jenkins (2008), referindo-se a junções de esforços e percepções, expressas por dispositivos tecnológicos, reconfigurações de funções profissionais (estimulando a multitarefa) e de espaços de trabalho (multimidiáticos), mudanças na relação com o público (tendente a ser mais interativo), entre outras ocorrências.

Jenkins potencializa análises e projeções expostas e defendidas desde os anos 1990 pelo filósofo e professor do Departamento de Hipermídia da Universidade de Paris – VIII, Pierre Lévy, para quem a internet, nascida nos anos 1980 como ambiência e ferramenta bélica do governo norte-americano, foi desviada de seu rumo inicial, tornando-se uma plataforma multimidiática utilizada por inúmeros grupos e para diversos interesses, dos mais democráticos e plurais (vide as experiências de ciberdemocracia) aos mais individualistas e consumistas (degenerações da customização, por exemplo).

“Cultura da convergência”

A “cultura da convergência”, estudada por parcela significativa de pesquisadores e professores de Jornalismo no Brasil, também gera debates acerca do que representa o enorme volume de informações que circula pela rede virtual. As considerações quanto a esse fato assenta-se em quatro níveis, pelo menos.

Um deles, mais inocente, aponta que o problema não é a quantia disponível, mas, sim, a capacidade de cada um em administrar o acesso à internet, priorizando o que se busca. Outro corresponde ao campo da necessidade, balizando-se pelo entendimento de que o mundo contemporâneo é fruto, em grande parte, das evoluções tecnológicas e que, “naturalmente”, as profissões e os profissionais precisam adaptar-se aos novos tempos.

Uma terceira interpretação associa-se a um pensamento ponderado, que reconhece os avanços tecnológicos, sua importância e influência na reconfiguração sociopolítica, econômica e cultural da vida em sociedade, contudo percebe que não se deve simplesmente aderir às novidades, aceitar as mudanças e difundir tais ocorrências sem questionar as formas como este processo se dá e que tipo de consequências isto gera.

Um quarto nível de entendimento compreende uma visão negativa, pautada na análise de que a “cultura da convergência” em si não é o problema, mas está sendo conduzida e difundida sob princípios como o individualismo, o consumismo e a superficialidade.

Efeito colateral

Sobretudo nos dois últimos níveis verifica-se o que o físico Alfons Cornellá classificou de “infoxicação”, ou seja, um efeito colateral provocado em decorrência do consumo excessivo de informações. Entre essas consequências estão a dependência das tecnologias conectadas e o estresse causado pela proporção de dados que permeia o dia a dia das pessoas (por conta do volume e do tipo de conteúdo, por exemplo).

Aparecem, ainda, como consequências a qualidade da produção jornalística (prejudicada pela ultravelocidade na captação e veiculação das informações e pelo distanciamento dos repórteres em relação ao trabalho de campo, “na rua”) e a precarização do serviço do jornalista (acúmulo de funções, demissão de profissionais e redução de salários).

Essa questão também tem a ver com o universo dos professores dos cursos universitários de Comunicação/Jornalismo. Associa-se a investidas voltadas para mudanças nas matrizes curriculares dos cursos que assimilem cada vez mais disciplinas conexas com as tecnologias digitais e o modelo jornalístico pós-fordista. Ainda assim, pesquisadores como o professor da Universidade Federal de Santa Catarina Elias Machado enxergam atrasos evidentes nesse processo, com docentes, majoritariamente imigrantes digitais, incapazes de se atualizar quanto a softwares e ferramentas ligadas à profissão no mesmo ritmo que parcela dos estudantes, nativos digitais nascidos a partir da década de 1980.

De outro lado, é preciso não cair no que o escritor Andrew Keen (2009) nomeou como “celebração do amador”, que inauguraria suas críticas quanto à revolução tecnológica e cultural que a segunda geração da internet trouxe, transformando a cultura online “numa rede de banalidades e desinformação em que cada um pode falar o que quiser, sem preocupação com a relevância ou a veracidade das informações”. Isso porque qualquer um, por mais malinformado que seja, pode publicar num blog (além de poder ter um) ou postar um vídeo na rede.

Para formar, portanto, profissionais aptos a atuar com competência e consciência crítica nas plataformas digitais necessita-se fortalecer o currículo de disciplinas humanísticas e reforçar a concepção social das matérias classificadas como técnicas (Reportagem, Produção de Notícias, Telejornalismo, Radiojornalismo e Jornalismo Digital, entre outras). Isso se faz, por exemplo, revalorizando a entrevista “olho no olho” como procedimento de humanização e acuidade na apuração; aceitando os “chás de cadeira” enquanto ocorrências normais no cotidiano do jornalista; efetuando uma leitura crítica da realidade potencializada pela atualização informativa diária e pela postura proativa do profissional.

Rastros do excesso

Feita essa exposição, mais teórica, apresentam-se, agora, alguns resultados de um levantamento realizado em março deste ano (para a confecção de um artigo científico) junto a um conjunto de professores da área de Jornalismo, para conhecer o nível de exposição deles às novas tecnologias, principalmente as conectadas à internet, e como isto repercute em suas vidas profissionais. A coleta de dados não tem caráter definitivo, mas contribui para se refletir acerca da temática.

O levantamento, feito a partir de um questionário-padrão aberto, envolveu 11 docentesde 26 a 77 anos (maior concentração entre 26 e 39), de graduados a doutores (maioria de mestres em Comunicação e áreas afins). Professores de Mato Grosso, Bahia, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, ministrantes de diversas disciplinas, como Ética e Legislação Jornalística, Antropologia e Comunicação, Design, Teorias da Linguagem, Oficina de Fotojornalismo e Técnicas de Meios Impressos.

Os respondentes disseram dedicar de duasa 14 horas por dia ao acesso a informações em veículos de comunicação, sendo que a maioria revelou despender mais de seis horas diárias para o desempenho desta ação.

Indagados acerca de que meios mais utilizavam, disseram, por ordem: internet, smartphone, computador fixo e portátil e tablet (conjunto referente a tecnologias conectadas à rede),além de impressos, rádio e TV.

Perguntados sobre o que buscavam nesses veículos de comunicação, elencaram respostas que indicam a conformação de quatro categorias: informativa/noticiário; pessoal; educativa/acadêmica; e entretenimento. Quanto à primeira, o detalhamento correspondeu a: jornais de grande circulação, emissoras de rádio, telejornais all news, programas esportivos e revistas culturais, artigos, sites, blogs, redes virtuais sociais, noticiário sobre política, economia, ciência, artes e tecnologia.

O papel social do jornalismo

Pelas respostas, a categoria “pessoal” resumiu-se a e-mails e redes virtuais. A “educativa/acadêmica” reuniu grupos de pesquisa em área de atuação, materiais para preparação de aulas (geralmente online), produtos de dramaturgia e teledramaturgia. E a “entretenimento” assinalou vídeos de comédia, atrações esportivas, acesso e confecção de conteúdos pessoais em redes virtuais.

Percebeu-se, pelas manifestações dos professores, que as buscas almejavam acréscimos às esferas do trabalho e do ambiente acadêmico, mas também a interação social e profissional e a ampliação de repertório empírico, cultural e intelectual.

Quanto à relação que tinham com os veículos/tecnologias da comunicação, a maioria respondeu que conseguia conjugar dinamismo/imediatismo informativo com postura crítica e reflexiva. Também a maioria mencionou que quantitativamente o acesso a essas ferramentas/ambiências estava entre moderado e exagerado e que já havia se “infoxicado” em algum momento da vida ou tinha um estilo de vida que corroborava para que isto ocorresse.

Nesse sentido, para evitar novas “infoxicações”, sair do tal quadro (“desinfoxicação”) ou, ainda, não adquiri-lo, os professores entrevistados listaram algumas ações capazes de garantir sobriedade, quais sejam: conectar-se à internet somente à noite; desconectar-se nos fins de semana; ter cautela no uso de redes virtuais sociais para não distanciar-se das relações sociais convencionais/tradicionais/físicas/offline; mesclar busca por informações com outras fontes; e garantir boa quantidade de leituras de material impresso.

Como se percebe, atuando na redação ou na academia, o jornalista se vê afetado pela “cultura da convergência”. Isso mostra que o assunto merece aprofundamento para a elaboração deuma práxisque conjugue seus diversos elementos, entre os quais: as potencialidades técnicas das chamadas novas tecnologias da comunicação; o viés condutor do discurso que as sustenta ideologicamente; e o papel social que o jornalismo deve ter na contemporaneidade.

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Gibran Luis Lachowski é jornalista e professor do curso de Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso – campus de Alto Araguaia; Alfredo José Lopes Costa é jornalista e professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso – campus Araguaia