Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A ‘febre’ de notícias inventadas

O Brasil entregou a Copa em acordo milionário. A seleção da Argélia repassou o prêmio que ganhou da FIFA para palestinos da faixa de Gaza. A Alemanha doou seu centro de treinamento para as crianças pobres da Bahia.

Existe grande probabilidade de você ter ouvido falar dessas histórias durante a Copa do Mundo. Elas circularam à exaustão no Facebook e no Twitter e algumas chegaram até a serem publicadas em sites de veículos de mídia tradicionais. Em comum, além da ligação com o Mundial, está o fato de que são todas inventadas.

As mentiras acima são apenas alguns exemplos das centenas de fantasias que as pessoas publicam, curtem e compartilham diariamente nas redes sociais. A notícia falsa – o chamado “hoax” (palavra em inglês que significa fraude ou boato) – não é novidade na internet, mas parece ter ganho uma visibilidade e frequência maiores nos últimos meses, um processo acentuado pela Copa do Mundo, evento que causou engajamento recorde nas redes sociais.

Não há números sobre o tema. Procurados pela reportagem, Facebook e Twitter preferem não falar. Mas as conversas do dia a dia revelam bastante: há sempre uma notícia falsa nova e gente descobrindo que a história tão impressionante que tinha lido era mentira.

“Nunca todo mundo dispôs de tantos meios de comunicações. Todo mundo pode pegar um pedaço de informação e compartilhar à vontade, no Facebook, WhatsApp, blog, Tumblr”, diz Edney “Interney” Souza, consultor de mídias sociais. “Temos uma propagação sofisticada em uma sociedade que não apura e que tende a acreditar em qualquer nota que tem a estrutura de uma notícia tradicional”, afirma.

“Essas informações falsas se espalham com rapidez, particularmente em torno de ‘breaking news’, quando há muitas novas informações circulando ao mesmo tempo e fica difícil identificar o que é verdade ou não”, diz Scott Lamb, vice-presidente do BuzzFeed, site especializado em notícias “virais”.

Para o jornalista Edgard Matsuki, o fenômeno pode ser atribuído em grande parte à “facilidade de compartilhamento do Facebook”. Ele mantém o site Boatos.org, especializado em desmentir falsas notícias. Segundo ele, seu serviço tem média de 400 mil visualizações por mês, mas, por causa da Copa do Mundo, acredita que em julho o número passará de um milhão.

Na Europa, a febre de boatos que se seguiu aos distúrbios de 2011 no Reino Unido (entre eles, o rumor de que os animais do zoológico de Londres tinham sido soltos) foi o ponto de partida do projeto Pheme, que pretende analisar a veracidade de grandes estratos de informação. Financiado pela União Europeia, o projeto é uma parceria entre duas universidades britânicas e uma alemã.

Diversão

Qual a origem das falsas notícias? E com que propósito elas são criadas? Para Edney Souza, boa parte é criada por pessoas querendo se divertir. É o que motiva, por exemplo, o criador do site Falsas Notícias, que preferiu se manter anônimo. “Criei o site para fazer pegadinhas com meus amigos. Elas acabaram divulgando sem querer e desde então os acessos só crescem.”

Há vários sites como o Falsas Notícias, que funciona como um gerador de artigos inventadas em que o usuário pode criar título e escolher imagem para gerar um link. Este é colado no Facebook. Quando clicado, conduz a uma mensagem que revela que o usuário “caiu” em um trote. Segundo seu criador, o aviso de que a notícia é falsa torna a brincadeira inofensiva.

Não de todo inofensiva, quando se lembra que existe uma grande tendência entre usuários das redes de ler apenas os títulos, chegando até a compartilhar o conteúdo sem ler. Um estudo deste ano do American Press Institute descobriu que de cada dez norte-americanos, seis só leem a chamada de uma notícia.

Para além da brincadeira, existe a procura por cliques, com objetivos diversos, desde turbinar a audiência da página de um produto ou artista no Facebook (muitas têm milhões de curtidas) até o aumento de popularidade pessoal. “Existe um fetiche de ser visto na internet que faz as pessoas compartilharem coisas que rendem curtidas, como essas notícias inacreditáveis “, diz Matsuki, do Boatos.org.

Empresas e figuras públicas podem ser prejudicadas por notícias infundadas. No ano passado, viralizou a história de que pedaços de rato haviam sido encontrados em uma garrafa de Coca-Cola. A empresa desmentiu em comunicado a história, que teve origem em uma matéria de televisão. A Justiça negou o pedido de indenização ao homem que teria encontrado o roedor por considerar que havia “fortes indícios de fraude”.

Para Edney Souza, as empresas tem que agir rápido para desmentir esse tipo de boato. O consultor lembra que a Pepsico, dona da Elma Chips, se saiu bem ao, rapidamente, reagir a um boato de que o saquinho de Ruffles tem mais ar do que batata frita, produzindo um atraente infográfico que explicava que a quantidade de ar dentro da embalagem era necessária para preservar a integridade do produto.

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Projeto quer rastrear lendas urbanas e boatos das redes

>> Entrevista com Rob Procter, pesquisador do projeto PHEME

Algum evento em especial motivou o projeto PHEME?

Rob Procter – O projeto vem do trabalho que fiz do uso do Twitter nos distúrbios que aconteceram no Reino Unido em 2011. Examinei tweets do período, incluindo boatos como o de que a roda gigante de Londres, a London Eye, tinha sido incendiada e que os animais do zoológico da cidade tinham sido soltos. Checar tudo isso leva tempo e jornalistas não têm esse tempo. Muitas vezes veículos tradicionais publicam esse tipo de informação sem checagem e depois têm que fazer errata. Isso mina a credibilidade da imprensa.

Como funcionam as ferramentas do projeto?

R.P. – Nossos métodos lembram muitos os dos jornalistas, mas com velocidade e em escala. Buscamos estabelecer a confiabilidade da fonte, o que podemos aprender de postagens anteriores, que tipo de pessoa é, se é jornalista, testemunha ocular, onde estão localizadas, etc. Através de inteligência artificial, podemos extrair padrões de dados, rastrear redes sociais, fazer buscas e analisar a credibilidade da informação. Entre nossos parceiros, estão a BBC e o jornal The Guardian, com quem testaremos um protótipo daqui a uns seis meses.

Onde mais vê essas ferramentas sendo usadas?

R.P. – Estamos olhando a utilidade da ferramenta na medicina, especificamente na área de uso recreacional de drogas, procurando localizar falsas afirmações, reequilibrar a discussão e chamar a atenção para possíveis riscos, lendas urbanas e versões leigas que podem levar as pessoas a informações erradas. Setores do governo poderão utilizar essas ferramentas. Anos atrás, houve uma ameaça de greve dos motoristas de caminhão-tanque e surgiram boatos de falta de combustível nos postos. Se o governo tivesse monitorado esses boatos na época, poderia ter produzido uma resposta nas redes sociais. (Camilo Rocha)

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Camilo Rocha, do Estado de S.Paulo