Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Démodé

Em 2004, surgiu uma “ferramenta” sem a qual o globo deixaria de girar, o homem voltaria a morar em árvores e a vida não teria mais sentido. Era o Orkut. Quando perguntei do que se tratava, fui olhado como se eu próprio tivesse acabado de descer da árvore. Era uma “rede social”. A última palavra em comunicação. A partir de agora, poderíamos conhecer pessoas, manter relacionamentos e trocar mensagens. Perguntei: “Sério?”

Naquela época, eu talvez ainda sobrescrevesse endereços a tinta e aplicasse o mata-borrão antes de lamber os envelopes para fechá-los. Estava feliz da vida, não via pressa de trocar isso pelo Orkut. Pior: descobri que seu inventor era um engenheiro turco chamado Orkut Büyükkökten, e sempre desconfiei de pessoas com três tremas no sobrenome.

Os anos se passaram e o Orkut se aperfeiçoou. Um dia, ganhou um “aplicativo” que transmitia um bonequinho capaz de abraçar, beijar e dar tapinhas na bunda das pessoas com quem você se correspondia. Mas nem assim me convenci. E ali comecei a ouvir comentários. Se 40 milhões de brasileiros tinham aderido ao Orkut, por que não eu? Quem eu pensava que era? Tanto que, há pouco, cansado de me esgueirar rente às paredes como um cidadão de segunda classe, resolvi me cadastrar. E só aí fiquei sabendo que o Orkut está sendo desativado, tirado do ar, extinto. Tornou-se uma “ferramenta” démodé e seus usuários o abandonaram.

Desde então, já me disseram que foi ótimo eu não ter aderido ao Orkut e deveria fazer como todo mundo – cadastrar-me no Facebook. Está bem, mas quem me garante que, daqui a dois anos, o Facebook não estará tão démodé quanto o Orkut? E seu sucessor, idem? Donde prefiro esperar que a tecnologia chegue à “ferramenta” perfeita, definitiva – como a caneta-tinteiro e o mata-borrão –, para aderir a ela.

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Ruy Castro é colunista da Folha de S.Paulo