Estar de fora é fácil. Mas, de fora, uma das histórias mais fascinantes no mundo da tecnologia é a da Microsoft. Entre as décadas de 1980 e 1990, sob o comando de Bill Gates, a empresa partiu de um pequeno grupo de programadores para o topo máximo. Fez-se a companhia capaz de ditar os rumos tecnológicos do mundo. Gates tinha, na cabeça, um objetivo: um computador em cada mesa e Windows rodando em cada máquina. Na última quinta-feira, Satya Nadella, CEO da Microsoft, anunciou que demitira 18 mil pessoas. O nome disso é crise.
O site The Verge fez as contas. De 2011 para cá, nenhuma empresa de tecnologia demitiu tanta gente. Ainda assim, cada qual tem seu porte e seus problemas, então relativizar é preciso. Percentualmente, 18 mil empregados é o equivalente a 15% de sua força. Uma empresa superou este número: a Blackberry, que demitiu mais de 60% do time. Proporcionalmente, o corte da Microsoft é o segundo maior. É também dirigido. De todos os demitidos, mais de 12 mil são da Nokia, antiga campeã da telefonia celular, adquirida em setembro de 2013.
Menos de um ano após o anúncio da compra, 12 mil funcionários perderão seus empregos.
Nascido em Andhra Pradesh, o estado da Índia que se tornou notável pela indústria de tecnologia, Nadella migrou para os EUA quando já era engenheiro formado em busca de um mestrado em ciência da computação. Aos 46, é considerado um dos nomes mais brilhantes da indústria. Na Microsoft, seu maior feito foi o de erguer a infraestrutura de nuvem da empresa. É o currículo que, perante o fracasso de Steve Ballmer, o alçou ao cargo de CEO. Assim, ele é o terceiro presidente da empresa desde a fundação. E o primeiro executivo de carreira a ocupar o posto, já que Gates e Ballmer, os antecessores, eram cofundadores.
Na nuvem
No início de julho, Nadella enviou um e-mail público a todos os funcionários. É daqueles textos longos, recheados de muitas platitudes, difíceis de interpretar. O objetivo era apresentar seu projeto. Bill Gates tinha a capacidade de explicar que o objetivo da empresa era colocar um computador em cada mesa e Windows em cada máquina. Steve Ballmer oscilou por muito tempo, veio e foi, jamais conseguiu deixar claro o que desejava. Na visão de Satya Nadella, a Microsoft deve ser a companhia da produtividade e de plataformas para o mundo da mobilidade em nuvem.
A beleza da frase de Bill Gates está em sua clareza. O objetivo é claro, de uma singeleza que só. Todo funcionário sabe exatamente por que motivo está trabalhando, e medir o sucesso ou o fracasso é também trivial. O sucesso da Microsoft em seus primeiros vinte anos de vida tem a ver com a capacidade de definir uma meta simples e concentrar todos os esforços em atingi-la.
Quando Nadella enviou seu segundo e-mail, quinta, já anunciou as demissões. É cruel, mas num ponto, ele tem razão. A Microsoft tornou-se uma empresa inchada que perdeu o rumo. Defende-se. Não inova, reage. Num momento briga com o Google em sistemas de busca, noutro com a Apple em tablets. Decidiu meter-se nos smartphones quando o mercado já estava dividido entre iOS e Android.
“A companhia da produtividade e de plataformas para o mundo da mobilidade em nuvem”, escreveu o ex-CEO da Apple Jean-Louis Gassée, não quer dizer nada. Não é uma meta clara para a qual se dirigir, não tem objetivo mensurável. Mas, ao menos, quer dizer que a Microsoft voltou-se para sua raiz. Está no negócio das plataformas: dos sistemas que usamos para fazer algo. A diferença é que não são mais baseados em PCs e sim em celulares e tablets. Não registram mais dados em discos e sim na nuvem.
Não é o suficiente. Com tanta demissão, é sofrido. Mas talvez seja um início.
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Pedro Doria, do Globo